Cultura

João Ricardo eternizado em livro três meses após a sua morte

“Os Dias que (Não) Contam” chega às livrarias no próximo dia 14, mas é a 22 de fevereiro que será apresentado por Rodrigo Ricardo que, ao lado dos atores Paulo Oom e Custódia Gallego, recordará o pai no Teatro da Barraca, em Lisboa.

João Ricardo faleceu a 23 de novembro de 2017 vítima de um cancro na cabeça, mas é eternizado num livro autobiográfico com memórias duras e bem reais de quem passou por muito antes de se afirmar na representação.

“Sou ator há 40 anos, mas já o era muito antes de o ser”, lê-se logo nas páginas iniciais de uma obra em que o malogrado artista partilha memórias de uma vida difícil e aquela que foi a sua maior paixão, a paternidade.

O momento em que o pai o obrigou, com apenas 9 anos, a trabalhar numa fábrica de caixas ou o trabalho nas obras também estão no livro, onde também nos confrontamos com o momento em que João Ricardo saiu de casa: “Era um adolescente de 16 anos, frustrado, magoado, carente, vazio. Um dia, depois de mais uma vez chegar às horas marcadas, tivemos uma discussão. Foi a primeira e a única vez que me bateu. Atirou-me uma faca que passou (bastante) ao lado. Acredito que não me queria acertar mas tornou a situação insustentável”.

Fala da mãe “lindíssima” com quem não cresceu e só viu umas cinco vezes até aos 20 anos. Foi sem-abrigo, mas o registo não é o de vítima. “Sim, houve alturas em que não tive nada. Mas também houve outras em que tive tudo. Sim, a vida tirou-me muito. Mas tirou tudo o que devia tirar na altura certa e deu-me tudo o que eu queria na altura certa. Fez de mim quem sou. Um homem que tem tanto de bom como de mau embora goste de acreditar que tenho um bocadinho mais de bom que de mau”, regista um dos parágrafos.

Sem escola ou aulas, João tornou-se ator por conta própria. Autodidata, registou papéis de relevo no currículo, até que uma indisposição durante as gravações da novela da SIC “Laços de Sangue”, em outubro de 2016, levou à descoberta da doença.

Operado ao tumor no cérebro, João Ricardo recuperou e ainda integrou “Espelho d’Água”, mas recaiu e acabou por não resistir. Depois de algum tempo acamado, acabou por morrer aos 58 anos, mas é agora eternizado no papel com a história que ele próprio escreveu, editada pela Oficina do Livro.

“Como pode morrer alguém que ainda nos comove e nos faz sorrir, alguém que sentimos, que amamos? Talvez seja isso a imortalidade. Enquanto nos lembrarem, não podemos morrer. Somos parte de quem fica, até que a última memória de nós desapareça. E um dia, muito depois disso, alguém poderá passar pela nossa campa, notar por acaso o nosso nome, e garantir que não desaparecemos. Até lá, tudo o que podemos fazer é lembrar-nos, todos os dias, de que é este o maior espectáculo do mundo: a vida. E garantir que, neste palco, damos tudo de nós, sem rede, até a última gargalhada se transformar em pó de estrelas.”