De chorar por mais

Restaurante Oásis

Ceuta e o Oásis

A AGAVI, no deserto das instituições que acharam relevante comemorar os 600 anos da expansão marítima portuguesa, entendeu dever fazer uma convenção e um encontro gastronómico naquela praça que foi o primeiro dos Novos Mundos que, no dizer lúcido de Luís de Camões, Portugal deu ao Mundo.

Enquanto por cá hipocritamente se falava em matanças, esquecendo que estávamos no início do Sec. XV (era assim que se constituam os reinos e as nações – lutando pelo território) e esquecendo que Portugal vive numa República que se iniciou com uma matança tão grande que começa no assassinato do próprio Chefe de Estado. Matança feita não do século XV mas do século XX. Matança que prosseguiu no período seguinte onde muita gente foi dizimada e espoliada dos seus bens. E que só terminou na ditadura Salazarista.

Mas que nem por isso deixou de ser comemorada pelo Estado em 2010 (fazia 100 anos e nada simbolizavam de democrático ou libertador – o parlamento existia e funcionava, o partido republicano que mais tarde veio a restringir o sufrágio, tinha 7% dos votos…), com a bonita maquia de 10 milhões de euros saídos, limpinho, limpinho, dos bolsos dos portugueses!

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Enfim, não cabe (nos dois sentidos) aqui o meu desabafo mas é a velha hipocrisia da ética republicana que ainda hoje se formula sem que os seus autores, estou sinceramente convencido, saibam sequer o que significa!

Dizíamos que enquanto uns assim pudicamente falavam e outros, mais folcloricamente, tomavam as vestes do Infante (com exceção dos sapatos que eram sapatilhas e não saíram do Porto) para o boneco televisivo, a AGAVI achou que devia lá ir, … 600 anos depois:
Para falar do que o “Porto deu ao Mundo”, para falar do nossa primeira incursão marítima, numa ligação ao Mar e ao Atlântico que nunca devíamos ter descurado, para falar de que Portugal pode ser, como foi outrora, um impulsionador de uma nova globalização que não viva dominada pelos estados e as multinacionais, mas que se baseie numa economia mais colaborativa, mais transparente, mais promotora do comércio justo e dos produtores nacionais. Para tudo o que merecia melhor atenção das Instituições e até dos Portugueses.

Para esta viajem saímos do Porto a umas matutinas 8h00 e chegamos a Ceuta a umas, ainda mais matutinas, 2h00… do dia seguinte!

Mas, milagre dos milagres, tínhamos estoicamente à nossa espera um restaurante berbere, que deve estar habituado a estas duras peregrinações e que, se calhar por isso, tem o sugestivo nome de Oásis.

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A comitiva sentou-se à Mesa com o mesmo sentimento de conquista de há 600 anos. Todos nós depois de rápidos cumprimentos e agradecimentos atacamos as entradas, por todos os flancos que pudemos.

Acalmado o bravio instinto de sobrevivência (temos sempre medo de morrer e “a morte mais morte” é a da fome!) lá deixamos que os olhos se espraiassem por um restaurante lindíssimo decorado na velha tradição marroquina.

Depois atentamos no que já havíamos destruído – uma belíssima salada de “remolacha”; uma outra de pimentos diversos, quentes e frios que se misturavam entre si numa desgarrada de sabores, uma salada de berejena que vá lá Deus ou Maomé saber o que é mas, tão boa que ela vinha!

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Uma outra de zanhorias, uma especialidade marroquina com uma textura diferente, mas um sabor quente e acídulo.
Até que, acabado o “herbanário” que percebemos tinha toda a expressão mediterrânica, vieram as espetadas – primeiro de cordeiro – riquíssimas como lá se diz – com as especiarias do colorau e dos cominhos a sobressaírem. Depois a espetada de kafta, para mim a favorita – pela delicadeza das especiarias que aqui custavam a identificar para além da noz-moscada e da pimenta cayenne.

Vieram depois os cuscus nas suas belas tágides. Confesso que prefiro o nosso carolino do baixo Mondego, ou até a farinha de pau que no Brasil leva o nome de pirão e que é um prato forte de conquistador. Mas a verdade é que este cuscus de frango a todos convenceu, pela simplicidade da feitura e pela harmonia das texturas que o cuscus normalmente proporciona. Acabamos com frango na sua broa e acabamos bem. Mais forte nas especiarias, mais crestado pela força da broa. Um prato bonito e quente que poderia ser prato único de substância que não cairia mal.

Aos caídos estávamos já nós – chegou a considerar-se a hipótese de nos terem aniquilado na primeira ceia. Mas foi dúvida breve dada a genuína simpatia de quem tanto porfiou pela nossa chegada.
Sobremesas deslumbrantes – recordo um folhado de amêndoa que só não se deitou comigo porque os malditos pimentos teimaram em não sair de mim.

No fim um espetáculo bonito feito de chás e infusões diversas com pequenos docinhos artesanais.

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Um “grand final” que deu o mote para a presença do Chef Makila que, como nas boas casas, veio a mesa receber as vénias e agradecer o resto. Afinal trazíamos connosco para além do Padre António Vaz Pinto que mal teve tempo de abençoar a refeição, os Chefs Hélio Loureiro, Marco Gomes e André Portas que, no dia seguinte, com as muralhas de Ceuta iluminadas a servirem de pano de fundo, na companhia de Chefes Ceutis e Espanhóis haviam de apresentar a 120 almas de diferentes Países, naquela praça deslumbrante, um menu de 12 pratos, na homenagem que tinha que ser feita a este encontro de culturas – que pode não ter sido a motivação do Infante mas que foi, certamente, um dos seus múltiplos e bons resultados.

E assim terminamos com os trinados da guitarra da balada da despedida, cantada pelo grupo Alma de Coimbra de que cá levamos e que ali contracenou com o grupo flamengo Boémia, numa mansidão harmoniosa de sabores, de culturas e de afetos que aqui se reencontram e aqui se confiam.

Fotos: José Gageiro