Dantas Rodrigues

Advogado

A homossexualidade nos tribunais

Por tudo o que está sempre em jogo, a febre das noites eleitorais costuma atingir temperaturas altas, e não só no terreno da política. Dois exemplos bastarão para demonstrar a que ponto o mercúrio dos termómetros sobe nessas noites de espectáculo. São eles a disputa (para não dizer guerra) entre empresas de sondagens, cada qual apregoando mais alto a autenticidade do seu produto, e a luta entre pivôs, outrora conhecidos por apresentadores, no ringue das audiências, onde o vale tudo é permitido para a conquista do campeonato do share. Não será certamente por acaso que democracia rima com gritaria.

Vêm estas considerações a propósito do rescaldo eleitoral, onde, para além dos dois exemplos que acabei de mencionar, aconteceu algo que provocou reações diversas, mormente nas redes sociais. Refiro-me, em concreto, a um pretenso comentário homofóbico que foi para o ar na nossa decana RTP. O comportamento social das pessoas rege-se, em primeiro lugar, por normas comummente aceites, por normas de cortesia ou de trato-social, e a violação dessas mesmas normas só pode motivar, como é óbvio, reprovação social. O que se espera de todos, em geral, e de uma figura pública, em particular, é correção de linguagem e respeito cristão pelo próximo. Ora bem, sendo um pivô de televisão uma evidente figura pública, o mínimo que dele se poderá esperar é a mais estrita observância daqueles dois preceitos comportamentais, não pondo em causa que houve qualquer intencionalidade por parte da pessoa no comentário. Aliás, o próprio já desmentiu.

Obviamente que a linguagem da comunicação de massas não pode ser a mesma que a de uso nos cafés, onde, habitualmente (e ainda bem), se tem tendência para banalizar situações graves da vida e, também, a rir com piadas de variados gostos e maus gostos, nomeadamente as que se prendem com homossexuais.

Estabelecidas as devidas proporções, é inegável que há todo um trabalho a fazer ao nível da linguagem (e dos conceitos que lhe subjazem), a começar logo por casa, no próprio ambiente familiar, onde frequentemente, as discriminações têm origem e se afigura particularmente difícil a aceitação da homossexualidade de um filho ou de uma filha por parte dos pais, parentes e amigos. Creio que só através da educação e de uma paciente pedagogia se poderá combater eficazmente as palavras e os gestos que magoam e reproduzem abusos e ferem direitos

Quanto à justiça, há que referir que a ordem jurídica ainda não tutelou devidamente a necessidade de assegurar a prevalência dos princípios da igualdade e da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, a fim de, considerados os limites da liberdade de expressão, coibir qualquer manifestação preconceituosa e discriminatória que ofenda a identidade psíquica ou sexual de um indivíduo.

A sociedade é cega e muda às ofensas dirigidas contra os homossexuais, a justiça segue naturalmente o mesmo padrão de conduta. Similar ao que acontece na violência doméstica, na homofobia, grande parte dos crimes denunciados são arquivados, não merecendo, por isso, a devida apreciação judicial.

Se lermos as estatísticas da justiça, somos levados a concluir que os crimes homofóbicos só existem se a conduta do agressor resultar em homicídio da vítima. Por essa razão, crimes como os de agressão física, ameaça, coação, perseguição e assédio não entram nas estatísticas; Entende-se que não tem envolvência homofóbica, exclui-se essa envolvência. No fim de contas trata-se de uma forma subtil de esquecimento. Os riscos de um tal esquecimento contribuem para a estigmatização social e para atitudes de pública intolerância, em tudo semelhantes a freudianos atos falhados.

** Por Dantas Rodrigues, socio-partner da Dantas Rodrigues & Associados