De chorar por mais

Restaurante Pires

O nº 5

O meu médico internista disse-me, agora que fiz 55 anos, que devia fazer uma hora de exercício, 5 dias por semana. E não exagerar nas 2 x 5 refeições principais que correspondem a esses magros e exigentes 5 dias.
Não posso dizer que tenha a mesma assiduidade e entusiasmo com a 5 horas de exercício, como com as 5 x 2 refeições que lhe correspondem. E posso garantir que em matéria de exagero sou mais aplicado nas refeições que nos exercícios.
Conhecedor que sou das minhas fraquezas e limitações socorro-me de uma fada que tem um nome divino (e não é Jesus) e que me ajuda a fazer este calvário 2 vezes por semana. No resto estou por minha pouca.

A minha fada é inteligente e enquanto nos arrastamos pelas amuradas da Foz vai-me falando num restaurante petisqueiro que ela própria visitou, numa receita que fez lá em casa, numas farturas que havemos de comer os dois e assim, suaviza as horas que passamos a tentar combater a caloria e o perímetro abdominal.

Já me tinha falado várias vezes que para comer sardinhas em Matosinhos não havia como o Pires. Era um tasco confessava, mas suficientemente asseado para que não caíssem os parentes na lama de ninguém por o visitarem.

Hoje, vindo de manhã cedo de Vigo, liguei à minha fada e recordei a morada do Pires que fica ali em Matosinhos (claro), numa travessa que faz a traseira da conhecida Marisqueira dos pobres.

Como a fada divina me dizia o tasco era muito mais que apresentável. Sem luxos, claro está, mas com asseio e amesendação capazes de nos fazerem sentir bem.

O serviço era familiar. O senhor Pires e o Filho tomaram conta do negócio e perceberam que o segredo num espaço daqueles não estava na diversidade.

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Por isso não têm lista. Têm em sua substituição 5 rigorosos pratos:
Sardinhas e já lá iremos, carapaus, douradas, lulas e cavalas. E mais nada.
E nos acompanhamentos – contamos 5:
Batata cozida, pimento, tomate, cebola e um pão de centeio de fazer perder a cabeça.

Como a fama vinha das sardinhas começamos por ai. E rejubilamos – lá vinham elas – gordas como agora estão, no ponto certo da assadura da pele que vinha estaladiça sem comprometer a frescura e a tenra humidade da carne. A batata era de excelente estirpe e acolitada dos restantes parceiros, aquietou-nos a alma e deixou-nos melhor preparados para a obrigação de as vir a esmoer. Mas não nos ficamos por aqui. Quisemos provar as lulas grelhadas e não nos arrependemos. Uma vez mais a frescura das lulas e a mestria da grelha estiveram presentes, num prato quase tão divino como o nome da minha prescritora.

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No fim ficaram por provar os outros 3 pitéus que fazem partem dos dedos de uma mão que são os pratos que o Pires tem para oferecer no seu menu. Com a segurança de que serão certamente da mesma boa índole, do mesmo sério carácter.

Para rematar ofereceram-nos um caldo verde e eu pensei nesses tempos em que o conduto era tomado no fim para acalmar o estômago e não irritar a tripa. Mas o calor que estava obrigou-nos a declinar e por isso perguntamos pelas sobremesas.
O Senhor Pires (Filho) disse-nos com a sinceridade dos homens simples: – Não temos! Bem, não temos, se estiverem a falar de doces porque se insistirem muito sempre se arranja um queijo com marmelada ou uma frutinha da época. Um destes dias chegarão uns melões que são famosos aqui na casa!

Bebemos o vinho da casa porque não nos ofereceram outro e até gostamos, talvez porque condizia com o ambiente e harmonizava bem com a força palatina das sardinhas.

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Enquanto vinha o café ficamos a olhar para aquelas paredes nuas e para a beleza que podemos encontrar nas coisas simples como esta.

Lembramos o velho Alberto Caeiro, aquele inesquecível guardador de rebanhos que só se emocionava com “o murmúrio longínquo dos regatos e os sinos daquela capela pequenina onde iam à missa as flores e os regatos e as almas simples como a minha”.

Fica, caro leitor, uma forte recomendação a uma visita tranquila a esta belíssima casa de pasto que é aqui mais uma casa de mar. Honesta em tudo o que nos oferece; Confiável e divina como a fada que lá nos mandou. No final saímos a trautear o “venham mais 5” do grande Sérgio Godinho e a pensar que assim adoçado, seria mais fácil suportar a próxima hora de exercício! Obrigado meu Deus!

Restaurante Pires

RESTAURANTE PIRES
Rua Estreita de São Pedro,
Matosinhos