Off the record

Ruy de Carvalho: “Aproveito intensamente a vida”

Ruy de Carvalho entrou no teatro “por acaso” e com o tempo descobriu “que tinha jeitinho”. O seu talento tornou-o um dos atores mais consagrados de todos os tempos. O caminho no mundo da representação começou a ser desbravado muito cedo. “Tinha oito anos quando fiz um personagem da história da ‘Carochinha’, foi aí que me rendi à profissão”, contou à Move Notícias.

Aos 15 anos, corria o ano de 1942, estreou-se no teatro profissional, no Grupo da Mocidade Portuguesa, com a peça “O Jogo para o Natal de Cristo”.

Com incontáveis papéis no teatro – pelo meio trabalhou no coro do S. Carlos para “aperfeiçoar a voz e ganhar um dinheirinho” – ao longo de 73 anos de carreira e tantos personagens, houve um espectáculo o marcou mais: “Toda a gente me pergunta pelo Rei Lear, claro que foi uma personagem que me marcou muito, mas a peça ‘Render dos Heróis’ foi aquela que mais gostei de fazer.

No currículo conta ainda com a participação em 27 novelas e 15 filmes. A experiência e o seu talento fazem com que seja admirado pelas mais recentes gerações de atores, que gosta de ver aparecer e crescer. “O meu filho é de outra geração que a minha e o meu neto é ainda de uma mais recente. Acho que precisamos de pessoas novas, que trazem um novo fôlego à profissão”, reconheceu.

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À espera de novos projetos no pequeno ecrã
Recentemente, Ruy de Carvalho deixou a TVI, uma vez que chegou ao fim o seu contrato de exclusividade, apesar de não gostar da forma como foi tratado, diz não guardar mágoas. “Estive 14 anos naquela casa e acho que merecia uma palavrinha. Se calhar não fizeram por mal, não guardo mágoa. Às vezes o ser humano esquece-se dos outros e isso não é bom”, disse, sem esconder alguma desilusão. No entanto, não ficou parado muito tempo e dias depois foi recrutado para dar vida a Viriato em “Bem-Vindos a Beirais”, da RTP, que agora chegou ao fim. “A experiência foi ótima, a série não continuou por vontade da RTP”, contou, lamentando o fim do projeto.

Enquanto não sabe quando regressa ao pequeno ecrã, Ruy de Carvalho continua a levar a peça “Trovas e Canções – Atores, Poetas e Cantores”, que estreou há um ano, pelo país. “Esta peça é uma homenagem à língua, à poesia e música portuguesa, mas sobretudo ao povo português. Espetáculos assim fazem falta, para nos lembrarmos que valemos alguma coisa”, explicou. No palco contracena com o filho, João de Carvalho, e o neto, Henrique de Carvalho: “É muito bom dividir o palco com eles, fiquei muito contente por eles terem escolhido a minha profissão”.

Apesar do sucesso do espetáculo, o ator lamento que haja um “divórcio” entre o público e o teatro: “Não se encontra explicação para isso. Mas o povo tem de ter cultura, tem de ser instruído e saber discutir sem vontade de bater. A cultura é muito mal tratada. O pão do espírito é a cultura”.

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Aos 88 anos, Ruy de Carvalho testemunhou vários momentos históricos do país, assistiu a uma guerra e viu a conquista da liberdade. Apaixonado pela vida diz que a morte não o “assusta”: “É a coisa mais certa que temos. Por isso, é que aproveito intensamente a vida”.

Não pensa em parar de trabalhar e está sempre a pensar no projeto que se segue. O próximo, será no teatro, onde vai marcar o seu reencontro com a grande amiga, que considera uma irmã, Eunice Muñoz, com a peça “As Árvores Morrem de Pé”. Até lá vai continuar a levar ao maior número de pessoas possível os poemas e as canções que marcaram a cultura portuguesa.

O ator já recebeu vários prémios, condecorações – nomeadamente a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, atribuída pelo presidente da República Cavaco Silva, e a Doutor Honoris Causa da Universidade de Évora – e homenagens. O último reconhecimento público a Ruy de Carvalho aconteceu no último sábado, dia 12, no teatro Sá da Bandeira, no Porto, onde esteve em cena com “Trovas & Canções”. Esta homenagem serviu para assinalar os 60 anos depois de ter pisado o palco daquele teatro da Invicta pela primeira vez.

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Fotos: José Gageiro