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Luís Osório confessa ter perdido o sono com ‘bullying’ de Ricardo Araújo Pereira

O escritor e ex-jornalista Luís Osório foi um dos nomes visados no programa de domingo à noite da SIC “Isto é Gozar com Quem Trabalha”, apresentado por Ricardo Araújo Pereira (RAP).

O humorista escolheu com alvo principal Luís Osório, mostrando momentos de uma entrevista que este fez à ministra da Cultura, para um podcast do PS. Num momento insólito de televisão, RAP colocou em cima da secretária um par de botas, chamando depois a sua cadela, Dona Custódia, para as lamber.

Luís Osório viu com atenção os minutos que RAP lhe dedicou. Perdeu o sono a pensar no que poderia ter despertado a Ricardo Araújo Pereira aquela necessidade de “humilhar“, de “fazer bullying“.  Porque o escolheria a si como alvo principal?!

Pensei que podia ser uma brincadeira à volta de como se manipula uma entrevista com alguém para que a entrevista pareça uma coisa que não foi. Corta-se aqui, corta-se ali, juntam-se pedaços que na entrevista vinham separados por muitos minutos, embrulha-se como se fosse a entrevista verdadeira.
Pensei que podia ser uma brincadeira para falar do “fake”, dos movimentos populistas que utilizam esse tipo de recursos que ele, muito bem, critica no Governo Sombra.
Mas não.
Não era uma brincadeira. Ricardo montara a entrevista com bocadinhos que encaixou como se fosse um puzzle para criar a ideia que desejava. Uma mentira que fez passar por verdade.
No entanto, deixei passar. São as regras do humor e tinha de estar à altura“, começou por contar o escritor no seu perfil do Facebook.

Pensou em tudo, “alguma discussão” ou “alguma coisa mal resolvida” do passado, mas isso “não podia ser“, pois os dois nem se conhecem pessoalmente.

Pensei que podia ser por estar a colaborar com o PS, mas isso não difere muito do Ricardo que assumidamente, e muito bem, colabora e é simpatizante do PCP.
Pensei que podia ser uma crítica por eu ser jornalista. Mas eu não sou jornalista, não tenho carteira profissional há nove anos.
Pensei que podia ser por ele achar que fui um fofinho na entrevista à ministra da Cultura, mas não podia ser porque ele é um fofinho em quase todas as entrevistas – viram a de Ana Catarina Mendes?
Pensei que podia ser por causa de um sketch que os Gato Fedorento fizeram há uns 15 anos. Lembro-me de um caixão onde estava um morto e um filho a esfregar as mãos por se estar a aproveitar da doença do pai para ser conhecido. O meu pai era o morto e eu o filho. Tínhamos acabado de publicar um livro e o meu pai achou piada ao sketch. Achou tanta piada que eu fiquei calado. Mas não podia ser porque era eu que devia estar zangado e não o Ricardo“, continuou Luís Osório.

Pensei que podia ser por nunca me ter respondido a nenhuma mensagem nas várias que lhe deixei quando o convidei para ser entrevistado para o ciclo “30 Portugueses”. Mas não podia ser porque era eu que devia ficar chateado, não ele.
Pensei que podia ser para me ridicularizar, chatear, magoar com o seu sarcasmo e inteligência. Mas não, também não era isso. O sketch acabava com uma cadela, a bela Custódia, a fazer o que eu faço – a lamber os pés a quem passa. Não, ele queria fazer uma outra coisa. Desejava humilhar. Fazer bullying“, lamentou.

Naquela noite o telefone de Luís Osório não parou de tocar, “uma das pessoas que telefonou foi o Miguel“, um dos seus quatro filhos. “Tem 19 anos e estava indignado. Pai, viste o que ele disse de ti? Tens de o processar, pai“, contou, confessando: “Comovi-me muito quando desligou“.

Depois de muito pensar, o ex-jornalista chegou à conclusão que tanta impiedade só poderia ter sido motivada por um texto seu, em que elegeu Bruno Nogueira como o melhor humorista da sua geração. “Pensei que tinha sido por causa de um texto que publiquei aqui no dia 17 de abril de 2020 – há cerca de dez meses. Um postal que teve 500 partilhas e uma repercussão que paguei caro quase um ano depois“, lembrou.

Reproduzo o meu pecado original. Porque penso mesmo que foi isto que o fez lançar-me uma fatwa“. Leia na íntegra o texto:

Ricardo Araújo Pereira não é o melhor humorista da sua geração
1.
Não quis escrever apressadamente sobre o “novo” programa do fundador dos Gato Fedorento. Depois não achei que valesse a pena a crítica, afinal existem outros assuntos mais importantes por estes dias do que dizer mal de um programa de televisão, Não irei desenvolver o que penso sobre “Isto é gozar com quem “trabalha” – é um programa igual ao programa que fez anteriormente num outro canal de televisão, mas menos surpreendente por já o termos visto antes.
Ricardo Araújo Pereira é um talento. Difícil duvidar disso. É culto e inteligente. Tem bom gosto. Mas infelizmente cristalizou no que resulta, no que os canais pagam, no que lhe dá dinheiro. Acontece aos melhores. Quando passam a ser milionários – e Ricardo e milionário tendo em conta os rendimentos no nosso país – passam a ter muito mais a perder do que a ganhar. Deixam como por milagre de ser incómodos. Ou a ser os tipos a quem se convida para que diga mal de uma forma que seja tolerável. Ou a pessoa que já não arrisca determinados assuntos com medo de perder audiências, contratos ou por outra coisa qualquer.
Ricardo pode desmentir tudo isto – e espero que o faça. Pode nos próximos anos provar que não é verdade o que alguns vão escrevendo. Voltar a inovar, voltar a inventar personagens. Voltar a surpreender. E deixar de ser tão previsível, a antítese da primeira fase da sua carreira.
Quando me sentei para ver os dois primeiros programas quis muito ser surpreendido. Quis muito gostar. Detesto o princípio, um bocadinho português, de ir para não gostar, de ir para depois criticar. Infelizmente não consegui.
2.
Só escrevi este “postal” para reparar uma injustiça. A injustiça de tantas vezes ouvir que Araújo Pereira é o melhor humorista da sua geração (quero retirar Herman José desta equação). A injustiça de um quase consenso à volta de uma ideia que, sendo subjetiva, por que de gosto, mereceria não ser consensual.
Porque o melhor humorista da sua geração é para mim, e sem discussão, Bruno Nogueira.
3.
Impossível compará-los por esta altura.
Bruno Nogueira arrisca em cada projeto. Arrisca nos formatos, nas plataformas, nas pessoas que convida, no texto, no contínuo evoluir de um personagem (a sua persona) que não é real, mas que também não é ficção. Uma figura paradoxal que parece atrair os opostos. Uma fragilidade (também física) que mistura com uma crua agressividade. Uma arrogância que mistura com generosidade. Uma vontade de ser livre que mistura com a melancolia de a poder perder na próxima curva.
Ouvir e ver Bruno Nogueira todas as noites no Instagram – num formato a que chamou “Como é que o Bicho Mexe?” é um exercício para ele, mas também para nós. Como se fossemos parte ativa dos seus sucessos e da sua hipótese de falhar, cúmplices de um artista de circo sempre próximo de cair na jaula dos leões ou de partir a espinha por não existir rede possível no lugar que nos propõe.
Onde Ricardo Araújo Pereira se defende, Bruno Nogueira arrisca. Onde RAP é conservador, Bruno é revolucionário ou, pelo menos, testa os limites de fazer humor, de comunicar num tempo confinado como este.
4.
Bruno Nogueira não é bem um humorista. Como aliás os maiores humoristas não o são. Quando víamos Buster Keaton ou Chaplin Chaplin víamos um abismo nos seus olhos. Quando vemos Ricky Gervais apercebemo-nos dessa mesma imensidão, uma espécie de tragédia a que estão condenados (apesar de todas as gargalhadas) os verdadeiros palhaços a quem ninguém salva quando cai a noite.
Bruno Nogueira irá falhar muitas vezes. Será o preço a pagar pelo seu não conformismo. Espero que não recue perante o abismo. Que confie num instinto que o leva a seguir em frente como se apenas existisse o presente.
LO