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Como se vestirá o próximo Papa? Conheça o católico gay que vestiu Francisco

O Papa Francisco, recusou usar o vermelho Prada e os bordados dourados, tornando-se o rosto da sobriedade. Agora, prestes a ser eleito o seu sucessor, pergunta-se: como se vestirá o próximo Papa?

Filippo Sorcinelli, de 50 anos, desenha para o Vaticano há 25, as suas mãos moldaram as vestimentas de papas, cardeais e as mais solenes celebrações da Igreja. O seu discreto trabalho está ligado com os pontificados de Bento XVI e Francisco, podendo sublinhar-se que criou o traje da primeira missa do último líder católico, bem como a mitra para o velório. Recentemente, chamou atenção após entrevistas nas quais também falou sobre a experiência de ser um homem gay e praticante do catolicismo.

À Vogue, Filippo Sorcinelli disse que “ainda não sabe” se vai “vestir o próximo papa“. No entanto,  noutra declaração, manifestou o desejo de encerrar o seu trabalho para o Vaticano após a morte de Francisco. “Colaboro com o Pontifício Escritório para as Celebrações Litúrgicas há 25 anos, criando vestimentas para os papas. Depois de ter desenhado para o papa Francisco e, antes dele, para o papa Bento XVI, sinto a necessidade de terminar esta experiência“.

Este ciclo encerrou-se para mim com o funeral do papa Francisco. Foi uma sensação visceral“, assumiu noutra entrevista.

Francisco usava trajes simples, não “trapos”

Para Sorcinelli, Francisco encarnou uma “nobre simplicidade“. Desde o início, que o papa argentino procurou trajes simples. “Não trapos“, “mas vestes belas e despojadas, que comunicassem essência. Tirar também é um valor“. Segundo o alfaiate, essa simplicidade foi muitas vezes mal interpretada. “Francisco nunca quis roupas feias. Quis roupas simples e belas“, contou à publicação brasileira UOL.

Já Bento XVI manteve uma estética barroca, vertical, carregada de história. Ratzinger deixou a inovação optando por modelos antigos. O erro não foi o luxo, mas a desconexão com o tempo.

E agora?

Algo mudou com Francisco e o povo tem uma expetativa. Porém, segundo o alfaiate, o próximo pontífice precisará de equilibrar o mistério com a simplicidade. “O papa não pode ser apenas um homem entre o povo. Precisa ser também sinal do invisível“.

Os paramentos são belos porque despertam curiosidade, porque são diferentes. Mas aproximar demais essa fronteira pode ser perigoso“, insistiu ao UOL.

Filippo Sorcinelli estudou arte sacra e tecelagem histórica. Aos 13, tocava órgão em catedrais. O trabalho inovador com vestes religiosas rendeu-lhe a uma exposição temática no Museu Diocesano de Milão, em 2018, e um Prémio Arte e Liturgia do Instituto Pontifício Litúrgico (2021).

Levo no coração os meus primeiros passos como criança: eu acompanhava a minha mãe na limpeza da igreja paroquial da minha cidade. Esses gestos simples e humildes carregavam um grande significado e tornaram-se a assinatura da minha vida“, recordou o artista à Vogue americana.

Ter fé, para mim, é ter sido agraciado por essa riqueza humana. Criar arte sacra hoje é transmitir essa mensagem ao mundo. Eu não estaria vivo hoje se não tivesse vivido esses momentos“.

O seu ateliê tem “profundo respeito pela Igreja, o nosso cliente principal, e a consciência de que não estamos apenas a fazer figurinos teatrais“, sublinhou. As criações, como as mais de 50 que ele fez para Bento XVI (1927-2022) são feitas em contato direto com o Escritório Litúrgico e respeitam a identidade de cada Papa.

Sorcinelli contou que evita modernizar em excesso as peças para a igreja, mas não abre mão de materiais premium, como seda e lã exclusivas. “Sempre gostei de falar sobre a criação como serviço. Isso também significa interpretar o seu ofício como uma extensão da fé. Tudo isso deve prevalecer sobre a estética pura ou gestos provocativos“, sublinhou.

Catolicismo e sexualidade
Na entrevista à revista de moda, Filippo Sorcinelli falou do desafio de ser um homem gay comprometido com o cristianismo. Para ele, ainda há uma longa jornada até que haja inclusão na igreja para “aqueles que são diferentes“.

Sou um homem de fé, mas não sou imune à dor nem à alegria. Sou alguém que anseia por respeito, constantemente lutando contra a batalha absurda entre quem eu sou e o que os outros esperam que eu seja“, contou. “Mas uma coisa é certa: o perfume libertou-me. E liberdade não é fazer o que se quer, é fazer o que se deve. Isso muitas vezes colide com um ambiente eclesial cheio de rótulos, cerimónias e, sim, clichês“.

Numa entrevista coletiva no Vaticano, disse esperar que o sucessor de Jorge Mario Bergoglio siga o diálogo com a comunidade LGBTQIAPN+.

Nas redes sociais, após a morte do Santo Padre,  Sorcinelli publicou um texto sobre sua trajetória profissional com Francisco.

Nestes anos tive a honra e o privilégio de vestir o Papa Francisco desde os primeiros passos do seu pontificado, interpretando aquela ideia de ‘nobre simplicidade’, já delineada pelo Concílio Vaticano II, e que Sua Santidade aplicou com a sua sobriedade pessoal de linguagem e presença“, escreveu.

A morte do Papa Francisco não deixará apenas uma marca, mas uma cicatriz que contém valores e que precisa ser trabalhada e discutida. Estou feliz e grato por, com meu trabalho, ter podido contribuir de alguma forma para isso e, ao mesmo tempo, questiono-me como homem e como profissional“, acrescentou o designer no post de despedida.