Lúcia Vaz Pedro

«ABRAÇA-ME ANTES DE TE IRES EMBORA»

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– Abraça-me antes de te ires embora! – pedira-lhe sem o olhar nos olhos.

O chá tinha arrefecido na chávena. Lá fora, caía uma chuva miudinha. Ele sabia que a conversa não seria fácil. Apesar da grande cumplicidade que os unia ou talvez por causa disso mesmo. Sempre foram apenas os dois. Ele e ela. Ela e ele. Desde que nascera.

Assim que lhe diagnosticaram Alzheimer, o afastamento fora inevitável. Provavelmente porque ele não estava preparado para ver a mãe tão ausente, tão distante, tão fora do mundo que ela construíra para os dois. Decidiu interná-la numa clínica para que tivesse o devido apoio, aquele que ele se sentia incapaz de lhe dar.

No dia em que fizera vinte e sete anos, o chão fugira-lhe dos pés, consciencializando-se de que a sua mãe deixara de saber o seu nome. Ia vê-la todos os dias. Havia aqueles em que a sua chegada era um dia de Natal; mas havia outros em que o vazio se revestia de escuridão sem palavras, num silêncio em que ele buscava a infância em que aquela mulher cheia de vida o abraçava com toda a força que Deus lhe pusera nos braços singelos.

De todas as vezes que a visitava procurava mantê-la dentro dos acontecimentos da sua vida. Mesmo que ela estivesse no seu mundo que lhe era completamente desconhecido, mesmo que ela lhe desse outras respostas, mesmo que ela ressuscitasse todos os mortos com quem falava durante as suas visitas.

Naquele dia, a chuva miudinha humedecia o ar e colava-se ao corpo, à alma. Falara com o médico antes de ter aquela conversa. Ele garantira-lhe que, no estado de alheamento em que ela se encontrava, não sentiria a falta dele.

Ali tinha tudo de que precisava e poderia telefonar sempre que quisesse para saber como estava. O tempo passava depressa e poderia visitá-la nas férias ou quando lhe fosse oportuno. Obrigado pela empresa em que trabalhava, o rapaz teria que ir para Angola durante um ano.

– Mãe, vou ter que me ausentar por motivos de trabalho. – começou, enquanto lhe servia o chá habitual – Não será por muito tempo! A mãe aqui está a ser bem tratada; toda a gente gosta de si. Eu telefonarei todos os dias para saber como está. Beba o chá, enquanto está quentinho!

– Ainda está muito quente! Diz, meu filho! Vais telefonar-me de onde?

– De Angola! Terei de ir. A empresa tem lá um projeto. Eu tenho de ir. Se não for, perco o emprego.

– O meu pai também está em Angola. Pode ser que o encontres!

Sem valorizar aquela divagação irracional da mãe, continuou:
– Mãe, sabe que eu a adoro. Nunca me esquecerei de si. Virei vê-la sempre que puder.

Fez-se um silêncio frio. A mulher viajava entre as vidraças embaciadas e o seu mundo impenetrável. Entre a chávena de chá que ia arrefecendo e as gotículas de chuva que se ouviam lá fora.

– Não diz nada, mãe? – perguntou, por fim.

– Está um dia bonito! – exclamou.

Perplexo, o rapaz levantou-se. O chá estava frio. Um beijo, pediu-lhe. Até já! Não queria uma despedida demorada, sofrida. Em breve, estaria com ela de novo. Virou as costas e dirigiu-se para a porta.

De repente, a mulher levantou-se e pediu-lhe:
– Abraça-me antes de te ires embora!

Emocionado, o rapaz correu para ela, abraçou-a. Ela repetiu sem o olhar nos olhos:
– Abraça-me antes de te ires embora!

– Abraço, sim, querida mãe! Olhe bem para mim! Eu voltarei! Prometo! Eu voltarei! Prometo!

Lúcia Vaz Pedro