De chorar por mais

O Paulo

S. Paulo da Arrifana

Não é desconhecida dos leitores a história da conversão de Paulo, um dos maiores e mais doutos difusores da fé cristã. Mas recordo-a para os menos atentos. Paulo, ou Saulo de Tarso como era conhecido, foi um distinto militar romano que, depois da morte de Jesus, foi incumbido de perseguir e prender os seus discípulos. Um dia na Estrada de Damasco, o próprio Jesus, numa grande auréola de luz apareceu a Paulo fazendo-o cair do cavalo. Depois desta revelação e chamamento, Paulo converteu-se ao cristianismo e transformou-se num dos mais ilustres evangelistas, espalhando a fé de Cristo por toda a bacia do Mediterrâneo.

Pois na nossa belíssima Costa Vicentina – mesmo no alto da impressiva falésia da Arrifana, existe uma espécie de santuário de um outro Paulo que sofreu também um processo de conversão.
De facto ele e a mulher, originários de Odeceixe, abalaram para a Holanda à procura de um futuro mais radioso.

Da estadia no casal na Holanda nada sei, mas conheço que há pouco mais de 3 anos regressaram ao Algarve e converteram-se à beleza da Falésia da Arrifana. E ali mesmo construíram o seu santuário – um restaurante que tem merecido critica destacada, pela majestade da localização, mas também porque se transformou num dos melhores restaurantes de peixe e marisco da costa Algarvia.

A sala é lindíssima – envidraçada para que nada se perca da “arquitectura” exterior, que nos mostra o Atlântico que aqui é mais calmo e suave que em terras nortenhas, mas que não perde a sua magia e o seu estranho esplendor.

O restaurante abre-se num balcão bonito de madeira que é, como mandam os cânones, ladeado de um mostruário e de um aquário onde está bem visível um dos segredos desta casa – a matéria-prima, vinda daquele mar que de ali mesmo nos maravilha os olhos, tal como a imagem de Jesus maravilhou Paulo, naquela poeirenta estrada de Damasco.

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A amesendação é irrepreensível e o serviço atento e simpático, sem intromissões, mas com a vigia que nos torna, sem nos sentirmos devassados o centro das atenções.

Férias são também descanso e Família e foi na boa amizade e companhia da Família que visitamos o Paulo. Tudo prometia uma noite memorável. E Foi! Por nossa causa, porque somos de uma Família tão lamecha que insiste em viver junta sempre que pode e diverte-se à brava com isso, mas principalmente por culpa do Paulo e do seu maravilhoso restaurante.

Começamos com aquele pão algarvio (seria de Rogil?) que tanto nos encanta. Vinha com um queijo de cabra amanteigado, suave e bem feito. Para entrada pedimos uns perceves canhão, assim chamadas por serem das maiores. Sempre me dividi entre comer perceves frias (como faço habitualmente no Norte) ou quentes como acontece na costa Alentejana e Algarvia. Hoje, confesso, que uma das poucas traições que faço ao meu Norte, é comer desvanecido os perceves quentes, que para mim enaltecem ainda mais aquele inconfundível sabor a mar.

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Depois veio uma vieira gratinada com camarão – excelente a emulsão num bechamel macio que aproveitava os sucos da vieira e deixava ficar a textura carnuda do camarão. Com um toque de poejo que lhe caía bem, a vieira gratinada foi aprovada com distinção.

O marisco, no geral, é Rei aqui no Paulo e desde a lagosta suada, ao lavagante e aos carabineros que nos ficaram a boiar nos olhos e a tantas outras delícias deste mar, tudo nos mexeu com as papilas gustativas, a prometer um reencontro rápido nesta falésia. E para memória futura, o imaginário de um polvo suado que deve ser da rocha e feito no seu próprio vapor.
Na entrada, tínhamos admirado a frescura do Peixe – robalo do mar e de linha, como dizia o Senhor Paulo, a corvina, a garoupa, o peixe-galo, o cherne medonho de aspecto e de frescura, a anchova que aqui aparece na sua melhor exuberância.

Enfim, isto e muito mais que nasce neste mar sublime e repousa na nossa mesa, grelhado no ponto certo do descolar da espinha, com a pele crestada a reter a boa gordura do peixe.

Porque é da tradição algarvia e “em Roma sê romano” resolvemos pedir uma cataplana de peixe. E que bem fizemos!

Nas suas caçarolas de cobre a cataplana vinha impecável recheada de marisco e de peixe que se aconchegavam na cama de cebola, pimento, tomate e tantas outras delícias que fazem parte deste prato algarvio – que tem o segredo principal de não deixar fugir nenhum dos sucos das maravilhas da terra e do mar que lá deixamos.

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Na carne o Senhor Paulo recomenda com entusiasmo o carré de borrego. Diz que, neste particular, teve que pedir perdão aos bons produtos portugueses e traz a matéria-prima da Irlanda – terra onde o borrego é conhecido por ser criado à solta e se construir numa carne suculenta e inesquecível. Assim o é neste santuário que podia mas não quer ficar por ser, apenas (e já seria tanto), um restaurante de peixe e de marisco.

O Chef de cozinha está, como tudo o resto santificado, de facto, nada do que o Chef Arnaldo Susana nos trouxe à mesa desmerecia da ideia de um Chef seguro e rigoroso que domina com enorme segurança e sabedoria, a comida regional algarvia.

Uma carta de vinhos gloriosa – bebemos um magnífico Cabeça de Burro branco que parece estar cada vez melhor.

Enfim, o Menu do Paulo é como uma das boas Epístolas de S. Paulo, desta vez não aos Efésios, nem aos Romanos, mas aos Cardosos que tão cedo não esquecerão tão boa doutrina. Parabéns ao Paulo da Arrifana que em boa hora fugiu da terra das tulipas e veio espalhar o seu talento na terra, linda, que o viu nascer!

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RESTAURANTE O PAULO
Arrifana (junto à Fortaleza)
Aljezur
Tlf.: 282 995 184
E-mail: [email protected]