Televisão

“Vou trabalhar para outro canal”

Ator, realizador, encenador e escritor Marcantónio del Carlo esteve no Porto para marcar presença Douro Harvest Film Festival e encontrou-se com a Move Notícias. Na entrevista falou dos novos desafios da sua carreira.

 

Move Notícias – “Mau Vinho” e “O Tesouro” marcam a sua primeira experiência como realizador como surgiram estes projetos?

Marcantónio del Carlo – Tudo surge com um convite do Film Harvest, da Universidade do Minho e Alto Douro (UTAD) e a câmara de Murça que me desafiaram para fazer o “Mau Vinho”, que foi um trabalho que escrevi e fizemos um casting com alguns alunos da universidade.

Como estávamos a filmar no Douro, houve uma aproximação com São João da Pesqueira, que se interessou pelo projeto e convidou-me a mim e ao Gonçalo Silva para apresentarmos uma ideia e surgiu “O Tesouro”. Foram dias de trabalho muito duros, mas foi muito divertido e interessante.

 

MN – Como se sentiu no papel de realizador?

M.C. – Já fiz vários filmes, por isso não é uma coisa estranha para mim. Era estranho estar atrás da câmara e estar a preparar. Como ator sempre achei que era dono e senhor daquilo que fazia no plateau e agora como realizador percebo uma coisa que um grande realizador, Manuel Costa e Silva, me disse que “ no cinema o trabalho dos atores representava 20 ou 30 por cento”. Lembro-me que na altura fiquei muito chateado e hoje percebo que o cinema exige uma grande preparação antes e depois da rodagem.

 

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MN – É mais fácil ser ator ou dirigir atores?

M.C. –São universos diferentes. Acho que tenho o trabalho facilitado, como sou ator e encenador talvez entenda melhor as sensibilidades de uma ator. Mas a realização é um trabalho muito técnico. O cinema é uma coisa muito chata para um ator, porque se está horas à espera para se gravar cinco minutos.

 

MN – É ator, encenador, escritor… como é gerir todas estas atividades?

M.C. –Para mim trabalhar é um prazer. Há pessoas que estão sempre a ansiar pelas férias, mas eu gosto tanto daquilo que faço que para mim é um prazer. Mas agora já tenho 48 anos e não tenho tanta estaleca para estar em três frentes ao mesmo tempo, por isso tento fazer uma coisa de cada vez. Mas quem corre por gosto não cansa. Além disso, estar fechado numa área não me preenche.

 

MN – Quando é que sentiu necessidade de alargar os seus horizontes?

M.C. – Nunca procurei nada. Felizmente sou uma pessoa com muita sorte e algum talento, mas muita sorte. Como por exemplo, estes dois filmes,  surgiram com uma conversa com o diretor do festival.  Nunca fui muito atrás das coisas. Portanto não houve essa necessidade.

Porém, cada vez mais me apetece trabalhar em coisas diferentes. Mesmo quando estou a  gravar uma novela não fico parado à espera que chegue a minha vez de gravar, gosto de ver os outros colegas trabalhar e ir para trás da câmara, ver como se faz.

 

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MN – Os portugueses ainda o podem ver no “Mundo ao Contrário” no papel de Maximiliano, que é italiano tal como o Marcantónio. Como foi preparar este personagem?

M.C. – Não foi difícil, foi falar como o meu pai. Acima de tudo foi muito divertido. Mais uma vez a equipa de escrita acabou por ir atrás de mim, propus ao Tó Melo, o diretor de atores, que se fizesse a personagem tinha que ser com sotaque italiano e ele deu-me carta-branca e é muito bom haver esta interação.

 

MN – As novelas hoje em dia tentam retratar o mais possível a realidade dos portugueses. Como vê esta mudança?

M.C. – Acima de tudo, se a ficção quiser continuar a ocupar o espaço que ocupa atualmente, tem de falar das histórias dos portugueses. Sou do tempo em que só havia “A Balada de Hill Street” e o “Roque Santeiro”, hoje as pessoas têm imensas opções com a televisão por cabo. Se a ficção portuguesa estagnar e continuar a ter o mesmo conceito que tem tido nas últimas duas décadas morre e morremos todos nós. Há muita gente a viver da ficção.

Por exemplo, as revistas que existiam na altura, era a “Olá” e a “Sete”, de um momento para o outro temos uma banca cheia de revistas, que vivem do entretenimento. Se a ficção acabar, acaba toda uma indústria, não só os atores.

 

MN – A TVI tem estado a liderar nos últimos anos na área da ficção. Nos últimos tempos tem havido uma aposta da SIC e da RTP também nessa área. Como vê essa competição?

M.C. – A competição é saudável, quando há só um canal que lidera é mau para todos. A tendência é fazer sempre a mesma coisa porque se está a liderar. Por exemplo, a Globo, que é a maior exportadora de novelas do mundo está sempre atenta ao que a Bandeirantes e a TV Record fazem.

 

MN – Vê o trabalho dos outros canais?

M.C. – Obviamente, quando tenho tempo. Já não consigo ver a ficção com inocência, como realizador fico atento à parte técnica. Por isso, a televisão já não me prende tanto.

 

MN – Recentemente perdeu o contrato de exclusividade com a TVI. Poderá ir trabalhar para outro canal?

M.C. –Provavelmente vou trabalhar para outro canal, mas ainda não posso falar sobre isso. Acho que foi muito agradável ter passado estes 10 anos na TVI, porque apanhei uma fase muito importante e fiz grandes amigos. Tenho muito orgulho do trabalho que fiz, mas a vida de ator é esta, o exclusivo é uma coisa muito recente em Portugal. Agora vou partir para outra.

 

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Defende que as televisões apostem na exclusividade?

M.C. – Sim, devem apostar na continuidade de um ator e para isso volto a dar o exemplo do Brasil. A Globo por exemplo aposta nos elencos jovens, mas os papéis principais são sempre para os atores mais velhos, temos o exemplo da novela “Amor à Vida”. Acho que a continuidade é importante porque fideliza o público.

 

MN – Nos últimos anos têm saído uma nova vaga de atores….

M.C. – Há gente muito boa e gente muito má, o público é o filtro. Mas isto é como tudo, aqui é apenas mais visível porque estamos expostos ao público.

 

MN – Há muitos jovens que querem ser atores não só pela representação em si, mas também pela fama…

M.C. – Portugal é um país periférico e as coisas chegam aqui muito tarde. Estive há pouco tempo em Espanha a rodar um filme e a havia colegas que não podiam sair à rua, a atriz principal tinha um guarda-costas. Nunca andei com um guarda-costas. Vivemos num país tranquilo.

Este fenómeno de reality show e de pessoas que querem ser conhecidas é recente cá. Mas continuo a dizer que o público é o filtro. Por exemplo, há pessoas que participam no “Big Brother” e desapareceram. Acho que só ficam aqueles que têm alguma coisa.

Isto não é um mar de rosas, como costumo dizer aos meus alunos, há pouco trabalho para os atores. Houve um interregno de novelas juvenis, agora estreou o “I Love It”, mas esse interregno foi muito mau para os jovens atores.

Para mim a vida está mais facilitada porque posso de fazer de pai, de tio… (risos).

 

MN – O Marcantónio está ligado ao cinema e ao teatro e é inevitável falar em crise. A cultura tem sofrido grandes cortes…

M.C. – Essa situação não é nova para mim. O que é grave é que um país que é culturalmente pobre é um país economicamente e socialmente pobre. Inevitavelmente vamos ser um país devedor e que vai viver a crédito, porque culturalmente não temos força nenhuma. Mas isto não de agora. É penoso porque nunca se investiu na cultura portuguesa e quando falo em investir, não falo em dar subsídios para se construir auditórios. Tem que haver a educação dos cidadãos, se incutir o ir ao teatro ou uma ida a um concerto de música clássica às crianças, eles em adultos vão ter mais bagagem cultural, vão ser pessoas melhor preparadas e vão ter uma opinião. Tem que haver uma aproximação da cultura às pessoas.