Saúde & bem-estar

Isto é o que acontece no cérebro mesmo antes de morrer

Pode ser uma caminhada por um longo túnel com uma luz no fim ou um campo onde podemos andar por entre a erva. Ou apenas estar rodeado pelas pessoas mais queridas da sua vida.

Os cientistas dizem que os momentos finais de consciência podem ser alimentados por algo incrível e misterioso que ocorre dentro do cérebro humano.

A atividade cerebral atinge um pico quando a morte acontece. Em 2013, cientistas descobriram que, após a ocorrência de uma morte clínica em ratos, a atividade do cérebro se acentuou, revelando assinaturas elétricas de consciência que excediam os níveis encontrados no estado de vigília dos animais.

Isso fez com que imaginassem se era possível “ver” se o cérebro estaria a experimentar algum tipo de pico de consciência também.

“Nós pensamos que, se a experiência de quase morte decorre da atividade cerebral, os correlatos neurais da consciência devem ser identificáveis ​​em seres humanos ou animais, mesmo após a cessação do fluxo sanguíneo cerebral”, afirmou o neurologista Jimo Borjigin, que fazia parte da equipa.

E foi exatamente isso que encontraram: os ratos anestesiados exibiram um aumento da atividade cerebral altamente sincronizada dentro de 30 segundos após uma paragem cardíaca induzida, consistente com os padrões encontrados num cérebro altamente excitado.

O fenómeno foi uma revelação, na medida em que pode refutar a noção de que apenas porque o fluxo sanguíneo cessou, o cérebro deve necessariamente tornar-se simultaneamente inerte.

“Este estudo diz-nos que a redução de oxigénio ou oxigénio e glicose durante uma paragem cardíaca pode estimular a atividade cerebral, que é característica do processamento consciente”, diz Borjigin. “Também fornece o primeiro quadro científico para as experiências de quase morte relatadas por muitos sobreviventes de paragens cardíacas”, aponta.

Em 2014, o maior estudo mundial sobre experiências de quase-morte e experiências fora do corpo foi feito por Sam Parnia, cientista da Stony Brook University, nos EUA.

Os investigadores fizeram entrevistas com mais de 100 sobreviventes de paragens cardíacas, e descobriram que 46% deles mantiveram memórias do encontro com a morte, centradas em vários temas, incluindo luzes brilhantes, familiares e medo.

O mais intrigante é que dois dos pacientes foram capazes de recordar os eventos relacionados com a ressuscitação que aconteceram depois deles terem morrido, o que, de acordo com as visões convencionais sobre a consciência além da morte clínica, não deveria ter sido possível.

“Sabemos que o cérebro não pode funcionar quando o coração para de bater, mas neste caso a consciência parece ter continuado por até três minutos durante o período em que o coração não estava a bater, apesar do cérebro normalmente desligar dentro de 20 a 30 segundos após o coração parar”, apontou Parnia na época.

Há, claro, os céticos, que afirmam que o fenómeno, que só foi relatado por 2% dos pacientes, não passa de uma ilusão. O próprio Parnia mais tarde admitiu que “a explicação mais fácil é que esta é provavelmente uma ilusão”.

Essa “ilusão” pode ser corroborada por uma resposta neurológica ao stress fisiológico durante eventos cardíacos. Por outras palavras, seria uma experiência cognitiva que precederia – e não aconteceria depois – da morte clínica, e que é mais tarde lembrada pelo paciente.

“Eu sou cético. Acho que as experiências fora do corpo foram desacreditadas, porque os mecanismos que produzem memórias de visão e registo estão inoperantes”, afirmou o neurologista Cameron Shaw, da Universidade de Deakin, na Austrália.

Shaw aponta que “a nossa perceção de nós mesmos, o nosso sentido de humor, a nossa capacidade de pensar adiante, tudo isso desaparece dentro dos primeiros 10 a 20 segundos. Então, à medida que a onda de células cerebrais famintas de sangue se espalhou, as nossas memórias e centros de linguagem diminuem, até que ficamos apenas com um núcleo”.

Esta perspetiva pessimista não está de acordo com a experiência dos ratos – e os cientistas ainda estão a reunir evidências de processos biológicos surpreendentes que continuam a prosperar mesmo dias após a morte ser declarada.

A verdade é que, embora a ciência nos tenha dado algumas ideias fascinantes sobre os momentos finais do cérebro, as pesquisas ainda não são conclusivas. A única certeza é que vamos todos descobrir o que acontece um dia.