Saúde & bem-estar

Aprendemos línguas a dormir? Esclareça este e outros mitos

O cérebro humano é estudado há séculos, mas ainda se sabe muito pouco a respeito deste “supercomputador”.

A complexidade do órgão acabou por provocar o surgimento de diversas crenças populares sobre a mente.

Perceba quais são os mitos que costumam ser propagados e esclareça-se:
1- Só usamos 10% do cérebro
Uma simples ressonância magnética pode acabar com essa teoria. Cientistas já provaram que nós usamos mais de 10% do cérebro ao executar simples tarefas, como falar.

A origem do mito pode estar relacionada ao estudo clássico de William James, ‘The Energies of Men’ (1908), no qual o psicólogo afirma que utilizamos apenas uma pequena parte da capacidade mental. No entanto, ele não especifica a percentagem.

Outra explicação pode ser a falta de compreensão em relação ao complexo campo da neurociência. Os neurónios da massa cinzenta são responsáveis pelo poder de processamento do cérebro e correspondem a uma em cada dez células cerebrais.

As outras células, conhecidas como células gliais (massa branca), oferecem apoio e nutrição aos neurónios, mas não ajudam no poder de processamento. A teoria de que seria possível aproveitar as células gliais e capacitá-las para desempenhar o papel do neurónio é pura fantasia. Então se alguém disser para você “usar todo o seu cérebro”, responda que já está a fazer isso.

2- Você pode aprender línguas dormindo
Outra crença comum é sobre a capacidade de aprender uma língua durante o sono. Ao deitar, bastaria colocar um CD com aulas de francês, por exemplo, e, pronto. Absorveríamos todo o conteúdo enquanto dormimos.

A eficácia da técnica tem sido contestada, no entanto, desde a experiência de Charles Simon e William Emmons (1956), que não encontrou qualquer evidência de que seria possível aprender algo durante o sono.

Já o estudo de Thomas Schreiner e Björn Rasch (2014) mostrou que ensinar palavras em holandês durante um movimento ocular mais lento ou ao acordar melhora a capacidade de memorizar o vocabulário. Ainda assim, a margem de melhoria foi pequena. Ou seja, os métodos tradicionais ainda são os mais recomendados para o aprendizado de idiomas.

3- Ouvir Mozart torna a criança mais inteligente
O termo “efeito Mozart” surgiu a partir de um artigo publicado pela Universidade da Califórnia em 1991, que detalhava um estudo feito com 36 estudantes. Os que ouviram Mozart por 10 minutos antes de uma atividade mental – que tinha como objetivo testar uma habilidade visual espacial específica – saíram-se melhor do que aqueles que aguardavam em silêncio.

Apesar da limitação óbvia da pesquisa, que contou com um número pequeno de participantes – e do facto de que nenhum deles ser criança –, o resultado inspirou o surgimento de diversos produtos destinados aos pais e que foram colocados à venda com a promessa de potencializar a inteligência de seus filhos.

Em 2010, uma análise de vários estudos constatou que ouvir música ou outro tipo de conteúdo teria um impacto num curto prazo na capacidade de manipular formas mentalmente, mas não encontrou evidências para sustentar um possível impacto no quociente de inteligência (QI) das pessoas.

4- Pensa com o lado direito ou esquerdo do cérebro?
Se acredita que tem um cérebro “intuitivo”, porque usa mais o lado direito, ou “analítico”, por acionar mais o hemisfério esquerdo, está enganado. A teoria de que um dos lados do cérebro tem influência significativa na personalidade da pessoa é um mito.

É verdade que algumas funções cerebrais encontram um suporte maior em determinado hemisfério do cérebro. Um exemplo é o idioma, controlado predominantemente pelo lado esquerdo. No entanto, aspetos da comunicação, como a modulação de voz, são guiados por regiões do lado direito. Ou seja, uma simples conversa provoca reações complexas em ambos os lados.

A tecnologia moderna oferece uma visão mais precisa que contradiz crenças históricas. Um estudo da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, divulgado na publicação científica ‘Plos One’, examinou cada par de 7266 regiões do cérebro em mais de mil pessoas, enquanto elas executavam pequenas tarefas.

O estudo não encontrou, no entanto, evidências claras para sugerir que os participantes estavam a usar fortemente o lado esquerdo ou direito. Como seres humanos, temos tendência a agrupar objetos ou pessoas em conjuntos ou categorias que nos ajudem a organizar e entender o desconhecido. É essa tendência humana que pode ter influenciado a propagação deste mito tão popular.

5- Álcool mata células do cérebro
Acordar com a cabeça a latejar depois de uma noite de bebedeira pode dar a impressão de que o álcool destruiu milhares de células do seu cérebro, mas a boa notícia é que isso provavelmente não aconteceu.

Grethe Jensen (1993) comparou amostras de neurónios de pessoas que bebiam álcool e que não bebiam. Os resultados não apresentaram diferenças percetíveis no número ou na densidade de células do cérebro.

Pesquisas sugerem, no entanto, que apesar de o álcool não matar as células, ele pode ter um impacto negativo significativo no comportamento delas, alterando as ligações entre os neurónios no cérebro, o que afeta a forma como as células se comunicam entre si.

Um estudo publicado na revista ‘Neuroscience’ também descobriu que quantidades moderadas de álcool alteram a produção de novos neurónios no hipocampo de um adulto, um processo chamado neurogénese – o que pode ter efeito na aprendizagem e na memória.

6 – Dano cerebral é sempre permanente
Costumamos ouvir que qualquer dano cerebral é permanente. Mas um dos feitos notáveis deste órgão é que, em certas circunstâncias, é possível que ele consiga recuperar uma lesão, dependendo da localização e da gravidade.

Uma concussão pode ser uma interrupção temporária das funções do cérebro, mas, desde que não haja traumatismo posterior na cabeça, o cérebro pode-se recuperar completamente.

O cérebro também se pode adaptar a lesões ainda mais graves num processo chamado neuroplasticidade, que se refere à capacidade do cérebro de redirecionar suas funções desativadas por condições mais sérias, como um acidente vascular cerebral.