Off the record

Éder: a vida foi-lhe madrasta mas ele acreditou

“Vai correr tudo bem, vai correr lindamente!” é o lema de vida do novo herói nacional. Um herói sem capa ou máscara mas com um pé que vale ouro. O mesmo ouro que garantiu a vitória da seleção nacional no Europeu de Futebol frente à França.

E se hoje, Éder é ‘o homem do momento’, outrora a vida não lhe sorriu de feição. Pelo contrário, foi madrasta e deixou marcas profundas.

Éderzito Lopes nasceu há 28 anos na Guiné Bissau, no seio de uma família de poucas posses. Com apenas três, veio ao ‘tira colo’ da mãe para Portugal.

Instalados em Lisboa, viu o destino trocar-lhe as voltas pela primeira vez quando, com apenas cinco anos, o pai o tirou do colo da mãe, privando-o da sua companhia, deixando-o pouco tempo depois em Braga, no colégio ‘Obra do Frei Gil’, por falta de condições financeiras.

Com dificuldade em lidar com o sentimento de abandono e fugir à solidão, chegou-se às outras crianças, tentando esquecer as saudades. Aos 9 anos mudou-se para o lar de acolhimento ‘Girassol’, em Alcarraques, Coimbra, onde permaneceu até ser homem. Foi também nessa pequena povoação que lhe descobriram o talento.

Alexandra Lino e Filipa Nobre, da instituição fundada pelo Padre Serra, não escondem o orgulho do ‘filho da casa’ e lembram Éder como “um bom menino”: “Ele era como é hoje, um rapaz reservado mas ao mesmo tempo muito dado”.

Paula, funcionária dessa altura do ‘Girassol’, fala do jogador com ternura. “Ele estava sempre pronto a ajudar. Bastava pedir que ele não dizia que não”, conta a senhora à Move Notícias com um brilho no olhar de quem não esconde a felicidade de ver o rapaz chegar mais longe.

De bola nos pés, “o menino passava os dias a jogar futebol”. Com 12 anos, acreditava que “um dia ainda havia de jogar com o CR7”, e foi levado “por um professor” para integrar a equipa da Associação Desportiva e Cultural da Académia, tornando-se um exemplo para as crianças que partilhavam consigo o espaço no ‘Girassol’.

“Já no fim, ele era dos mais velhos e quando queríamos que os pequenos fossem dormir dizíamos que íamos chamar o Éder, todos lhe tinham muito respeito e admiração, era assim como que um irmão mais velho”, recorda Paula.

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Aos 21 anos, por “motivos legais” e porque assinou o seu primeiro contrato como jogador profissional no Tourizense, Éder deixou a instituição. No entanto, ainda hoje, sempre que lhe é possível, visita e apoia aqueles que foram a sua família durante vários anos.

“Depois da vitória no Euro pensamos que haverá vários meninos que poderão ser os próximos ‘Éderes'”, conta Filipa Nobre crente que existem várias crianças com o mesmo dom do jogador. Crianças que, segundo a psicóloga, poderão contar com o apoio do ‘herói nacional’. “Estão previstas algumas iniciativas e parcerias com o apoio dele mas ainda nada que se possa adiantar”, justifica.

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O apoio dos amigos nas horas difíceis

Depois de abandonar a instituição, a sua vida deu muitas voltas. Após uma breve passagem pelo Tourizense, em Oliveira do Hospital, regressou a Coimbra para representar a Académica. Dali, voltou a Braga, cidade onde passou alguns anos da sua infância, e ganhou destaque enquanto avançado.

Cobiçado por clubes estrangeiros, Éder rumou ao país de Gales e esteve ao serviço do Swansea City, em 2014, e aí começaram os problemas. Depois de várias lesões e de uma mudança repentina para o Lille, de França, as vicissitudes teimavam em desalentar o jovem.

Sem o apoio da família, com a qual “manteve sempre pouco contacto”, desmotivou e chegou a ponderar abandonar o futebol.

No meio dos obstáculos, reencontrou uma admiradora que se viria a tonar na sua melhor amiga: Susana, a ‘famosa’ mental coach.

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Ao lado da antiga bancária, e da família da mesma, Éder voltou a acreditar no seu potencial e a levantar a tão falada “luva branca”, sinal de “motivação e perseverança”.

Também o apoio de colegas – Cristiano Ronaldo incentivou de forma determinante a prestação do jovem no Europeu -, técnicos e antigos amigos do colégio foram determinantes para o jogador sair da espiral negativa em que havia entrado e regressar às vitórias.

Hoje, Éderzito esqueceu todos os diminutivos que outrora lhe atribuíram. Ao serviço da seleção nacional Éder mostrou ao país, e ao mundo, que com determinação é possível alcançar os grandes voos que lhe estarem destinados.

Para trás fica um passado marcado pela luta e a mensagem de que é preciso acreditar. Uma luta que também fez dele o homem que é hoje. Veja as fotos: