Dantas Rodrigues

Advogado

Bolas quentes e frias

Poucos dias antes do começo do atual campeonato europeu de futebol, concretamente a 13 de Junho, Joseph Blatter (Sepp para os amigos da bola)deu ao mundo nova prova de vida ao revelar mais trapaças em que o chamado desporto-rei se encontra atolado. Desta feita coube à UEFA, porque a poeira levantada precisamente há um ano pela Procuradora-Geral dos EUA, Loretta Lynch, contra a FIFA vai dando sinais de assentar, porque os interesses se vão refazendo do grande susto que apanharam, e, sobretudo, porque tratando-se de uma guerra sem quartel e sem prisioneiros, mandam os ensinamentos de Sun Tzu que se faça ataques diretos para distrair o inimigo e ataques indirectos para, no fim, o vencer.

Como se a FIFA e a UEFA não se conhecessem de lado nenhum, como se entre ambas não houvesse qualquer tipo de porosidade, como se a UEFA não fosse a terceira de uma prole de cinco filhas da FIFA. Proferido por alguém como Blatter, o ataque desferido à UEFA só pode, pois, soar a premeditado vitupério e acrimonioso despeito.

Joseph Blatter, que será tudo menos ingénuo, não foi certamente por acaso que escolheu o prestigiado diário argentino La Nación para lançar a sua garrafinha de mau cheiro, já que, de todos os periódicos em presença na Américas (excluídos naturalmente os dos EUA), se trata de um jornal pertencente ao país mais seriamente candidato a vencer a Copa América deste ano, logo, um jornal com voz, capaz, como aliás se viu, de fazer chegar longe as palavras de Blatter.

E o que disse então o ex-presidente da FIFA? Em substância isto: quando interpelado pelo jornalista se era verdade que havia sorteios falseados na UEFA, Blatter disse que sim e ajuntou «vi com os meus próprios olhos.» Seguidamente, solicitado a detalhar a afirmação que acabara de fazer, referiu: «Foi por ocasião de uma competição europeia. Tratava-se de uma equipa italiana. Uma forma de identificar as bolas é torná-las quentes e frias. Eu próprio o testemunhei. Para isso meteram-se umas bolas no congelador de um frigorífico antes de se proceder à sua tiragem, bolas essas que, depois de tocadas pela mão do sorteador, este já sabia quais devia mostrar.»

Qualquer pessoa minimamente informada e atenta ao que se passa à sua volta só pode concluir das palavras de Blatter que, ao lançar a suspeita sobre um jogo, naturalmente lançou a suspeita sobre todos os jogos. E ingénuos serão os que pensam que um dia se fará justiça. Entre-se no puro domínio da ficção, imagine uma condenação em que um clube vencedor de uma Liga dos Campeões, por cumplicidade na batota, era obrigado a restituir todos os milhões de euros mal ganhos mais o troféu ilicitamente conquistado. Tínhamos logo a revolução na rua e o consequente afundamento do negócio!

Blatter sabe isso muito bem e, por conseguinte, pode permitir-se dizer tudo o que lhe dá na gana, porque ninguém, na Europa, alguma vez lhe pedirá responsabilidades. O futebol é cada vez mais o veículo para “os políticos” fazerem passar medidas impopulares, tornar dormentes as vontades e dar a ilusão de que se vive num mundo de felicidade e afetos, nem que para tal a sorte tenha de ser ditada por bolas quentes e frias.

Por Dantas Rodrigues, socio-partner da Dantas Rodrigues & Associados