Dantas Rodrigues

Advogado

A realidade que as offshores e quem as defende despudoradamente mascaram

A Europa dos negócios sem fronteiras internas, isto é, a Europa assente nas chamadas quatro liberdades do mercado único, a saber, liberdade de circulação, liberdade de mercadorias, liberdade de pessoas, e liberdade de estabelecimento e prestação de serviços e de capitais, vai, diariamente, perdendo cada vez mais adeptos.

Entusiasticamente posta em prática por Margaret Thatcher em 1979, ano em que subiu ao poder em Inglaterra, a liberdade de circulação de capitais tem constituído um mantra tal, que, à força de tanto ser repetido, engana cada vez menos quem estiver atento às suas mais que suspeitas movimentações. E como resultado dessas movimentações, assiste-se a um sem-número de renovados métodos de execução de crimes, em cuja prática costumam igualmente intervir novos actores.

Ao não querer impor limites àquilo que considera serem liberdades, a Europa não se preparou devidamente para a mundialização do crime económico. Se dúvidas restassem quanto ao que acabo de dizer, pense-se que o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia confirmou, por acórdão, ser legítimo a uma empresa deslocalizar-se para um determinado estado-membro apenas por razões fiscais. Em face de tamanhas liberdades, a criminalidade não se deu por achada, e, vai daí, acelerou logo em busca de cada vez mais países.

A Europa dos negócios, da maximização dos proventos, permite, com facilidade e astúcia, a criação de mecanismos legais para delinquir. Refiro-me concretamente a empresas offshore, ou seja a sociedades alojadas fora do país de domicílio dos seus proprietários e não sujeitas ao regime legal nele vigente. O conceito jurídico tem raiz britânica, vindo da common law «trustlaw». A propriedade (real, verdadeira) é mantida por uma parte em benefício de outra. Dito de outro modo: quando se está a contratar com uma empresa offshore apenas se conhece o nome dos trusts (administradores ou procuradores), estando o verdadeiro proprietário (beneficiário) oculto. O mesmo acontece com as contas bancárias offshore.

Para não irmos mais longe, fiquemos por Portugal para esclarecer o que acaba de ser dito. Por exemplo, no que toca a contas na zona franca da Madeira, os bancos apenas têm informação do nome dos trusts, desconhecendo completamente quem é o dono do dinheiro. Mesmo que exista um pedido judicial de informações, jamais qualquer desses bancos poderá fornecer elementos relevantes.

Assim, facilmente se deduz que essas contas se encontram blindadas, sendo extremamente difícil a qualquer investigador criminal identificar os seus verdadeiros titulares. Como instrumento de fuga ao fisco, branqueamento de capitais e corrupção, há que reconhecer que o modelo é, no mínimo, brilhante. Por isso, dificilmente se encontrará uma grande empresa cujos proprietários não possuam empresas offshore.

Se o modelo é bom para o empresário e para o político, parece-me evidente que não pode servir como paradigma de desenvolvimento para os Estados atingirem independência económica e financeira. É, quase que direi, uma verdade axiomática!

Voltando à zona franca da Madeira, conhecida como Centro Internacional de Negócios, importa dizer com clareza que o respetiva offshore não desenvolveu investimento estrangeiro, nem sequer tornou a Ilha economicamente estável. E isto pela simples razão de que as zonas francas não podem transformar países pobres em países ricos, apenas servindo para enriquecer uns poucos de indivíduos à custa do empobrecimento de muita gente. No fundo, é essa a verdadeira realidade que as offshores e quem os defende despudoradamente mascaram.