Dantas Rodrigues

Advogado

As obrigações dos magistrados

Diariamente, a imprensa divulga notícias sobre a justiça. Elas são tantas e tão variadas que um apaixonado por florilégios podia perfeitamente fazer um ranking semanal das mais lidas, ou das mais discutidas, ou das mais pedagógicas, ou, enfim, das mais disparatadas!

Assim, se esse tal apaixonado pelos florilégios da justiça jornalística realmente existisse, e se ele tivesse elaborado o seu ranking da semana, sem dúvida que não podia deixar de recortar uma notícia vinda do Tribunal de Família e Menores do Porto em que um magistrado, numa peça processual, ao pronunciar-se sobre a sexualidade dos menores, admitia as relações sexuais desde os 11 anos de idade.

Com intervenções assim tão descabeladas o cidadão comum, com filhos adolescentes e plenamente consciente das doenças morais que afetam a sociedade contemporânea, não poderá, como é óbvio, depositar grandes expectativas no poder judiciário. E, quando as expectativas são defraudadas, por muito que depois venha a bater-se no peito de arrependimento, já nada há a fazer, ninguém acredita.

O que é que se poderá dizer e, sobretudo, fazer? Em termos pessoais muito pouco, porque em matéria de educação ética, educação social, educação sexual e educação religiosa, nada. Todavia, em termos institucionais (e, porque não, comportamentais), talvez já se pudesse fazer qualquer coisa. O que pensará o órgão de tutela? O problema está e estará na selecção dos candidatos para a magistratura. Quanto aos futuros magistrados, se passasse, por exemplo, a existir uma rigorosa selecção dos mesmos quando se candidatam, poderia até não ser má ideia…

É verdade que a chamada nova família urbana, hedonista, liberal nos costumes, e profundamente consumista, criou taras e condutas que têm vindo a implicar enormes mudanças de atitude, tanto ao nível social como profissional dos magistrados. Eles socializaram-se nas redes sociais, eles opinam por dá cá aquela palha, eles partilham amizades e convites no facebook, no twiter, etc. Em suma, o magistrado virou comentador de TV, comentando justiça, futebol, política e tudo o mais . O mínimo que se pode dizer é que há por aí muitos magistrados que não se têm feito de rogados em trocar a cátedra do pretório pela cadeira do estúdio de televisão.

A escolha de uma profissão constitui sempre uma decisão pessoal livre, é certo, mas também não é menos certo que, ao ingressar numa profissão, há todo um conjunto de obrigações e de deveres que são indissociáveis da mesma. Independência, imparcialidade, transparência, integridade pessoal e profissional são tudo deveres inerentes à deontologia profissional que distingue um magistrado de um licenciado em Direito, ou seja, o que os diferencia é o compromisso daquele com os valores éticos e morais da vida. Por isso acho que existe uma enorme confusão nas cabeças pós-modernas entre o respeito pelo dever de integridade pessoal e os novos conceitos de família, sem esquecer, naturalmente, a estultícia que representa a partilha de pedaços do quotidiano nas redes sociais. Para mim, é claro: entendo que não existe qualquer confusão!

Os cidadãos exigem dos magistrados condutas exemplarmente éticas. O que se pode perdoar a um cidadão anónimo, nunca se poderá aceitar num magistrado, sob pena de se cair na anarquia e na desmoralização social.

Desculpem-me os bem-pensantes que me estão a ler, mas um magistrado não pode (nem deve!) expor o seu quotidiano nas redes sociais, não tem de fazer comentários a nada nem a coisa nenhuma, pois o exercício da atividade jurisdicional que lhe incumbiram impõe restrições e exigências pessoais distintas das cometidas aos cidadãos em geral. Dito isto, só me resta concluir lembrando que a tutela das crianças e adolescentes incide particularmente na sua proteção contra a depravação e a exploração sexual. Além disso, é crime de abuso sexual, previsto e punido com pena até 10 anos de prisão, praticar qualquer acto sexual com menor de 14 anos.

É verdade que o que acabo de dizer é tão evidente que não precisava de ter sido escrito. Mas, à boa maneira de Talleyrand, se o que disse não precisava de ter sido escrito, ele será ainda mais evidente escrevendo-o.

**Por Dantas Rodrigues, sócio-partner da Dantas Rodrigues & Associados