De chorar por mais

A Casa Irene e as 15 Estrelas de Almeida!

Conhecia mal Almeida onde há já muitos anos pernoitei na vetusta Pousada de Nossa Senhora das Neves.

Quis o destino e o meu amigo António Carvalho – que ali continua a empreender com uma notável juventude, que eu regressasse a Almeida. Agora sem as pressas de uma caçada que me levou lá e de lá me trouxe num corrupio, com memórias mais ligadas às perdizes e ao terreno de caça do que à beleza que a Vila tem para oferecer.

Confesso que fiquei fascinado. Tive no Senhor Presidente da Câmara, Prof. António Baptista Ribeiro, o melhor dos anfitriões. Porque o conhecimento e paixão com que fala de Almeida, são tão eloquentes como a obra que realizou à frente da edilidade que está, de resto, à vista de todos:

Um Centro Histórico com irrepreensível aprumo e conservação, de onde sobressai a impressionante Fortaleza de Almeida, com a notável Porta de S. Francisco e o conjunto granítico em forma de estrela de 12 pontas que agora é merecidamente candidato a Património Mundial da Unesco. Com foral do tempo do Rei Dom Dinis, Almeida é uma terra arraiana que poderia ser descrita como a capital beirã da Cultura e do Património. Nela se respira a História daquela “terra plana” atravessada pelo Côa que ali se serpenteia irrequieto, dando brilho a uma paisagem natural inolvidável. O castelo Mendo e a Ponte Grande que evoca as Invasões Francesas, o Picadeiro D´El Rei recentemente recuperado, o Museu Histórico-Militar de Almeida, são apenas exemplos desta riqueza que a boa governação Almedense tem sabido preservar e qualificar.

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Mas o património imaterial também não é de desdenhar. E de facto, com os mais perfeitos acólitos da terra, fui conduzido a um restaurante que bem pode ser considerado a 13ª estrela de Almeida (tantos quantos os comensais que se sentaram ao almoço). Falo da Casa da Dona Irene, um caso sério da gastronomia beirã que, para o leitor conhecer tem que se sentir “Bemchegado” ao largo principal de Malpartida, a freguesia que acolhe esta santa casa de comer.

A Chefe, Dona Irene Frias é uma daquelas cozinheiras que faz tudo com a amorável dedicação de uma Mãe de Família. Porque a Família foi a sua escola e chega-lhe para granjear a fama que já granjeou.

Uma referência para os meus 12 parceiros – não eram os Apóstolos, mas podiam sê-lo dada a santidade da ocasião. A verdade é que na sua maioria eram Apóstolos da Gastronomia arraiana porque faziam parte da distinta Confraria dos Aromas e Sabores Raianos de que o Presidente António Baptista é, tão só, o distintíssimo Juiz.

Mas vamos ao que interessa que é mesmo o que de tão bom se come nesta Casa da Dona Irene. O pão já anunciava coisas boas – de mistura leve com a crosta estaladiça e ainda morno, foi ao primeiro a conquistar-nos o palato. E se no início veio assim ao natural com umas azeitonas bem curtidas, depois era vê-lo numa açorda (aqui também chamam “migas”) de bacalhau que estava deliciosa na sua textura aveludada com as gorduras do bicho a envolverem-se num caldo saboroso onde reinava o alho e o ovo cozido. E o que veio a seguir, quase para limpar, foi uma salada de morugem, bem temperada de azeite fino e vinagre e acolitada de meias luas de cebola. A morugem é curiosamente conhecida pela “erva estrela” e é tão saborosa, tão leve, tão fresca que bem pode ser considerada como a 14ª Estrela de Almeida. A Morugem existe só no tempo da chuva. Porque esta erva medicinal e gastronómica nasce espontaneamente nos ribeiros pequenos, com caudais de água controlados. Excelente para acompanhar carnes grelhadas a salada de morugem fica assim a brilhar no firmamento almedense.

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A seguir, serviram-se uma mista grelhada de enorme gabarito. Com vitela grelhada, costela de porco, chouriça de carne e de sangue e a famosa moira beirã, esta grelhada estava no seu ponto de assadura, a aproveitar o relevo e a mistura das carnes, vinha acompanhada de um esparregado que aqui leva batata e de uma batata frita, partida fina em palito, daquelas que só as cozinhas de família fazem com a devida propriedade.

São ainda ícones da casa as restantes receitas de bacalhau – com destaque para o bacalhau no forno, cozido ou à Brás, o arroz de cabidela, o cabrito assado e as costelas de cabrito grelhadas, o cozido à portuguesa, o peixe que vem fresquinho de Aveiro, o bucho recheado e tantos outros petiscos que merecem a sua peregrinação.

O vinho da casa, de Vale da Coelha, é truculento, com taninos vivos e uma acidez persistente que embora leve lhe dá um carácter especial. O serviço familiar com o espaço que é rústico, mas bonito e acolhedor.
Nas sobremesas o requeijão com doce de abóbora caseiro, é simplesmente divinal, como o são também o arroz doce e o leite-creme queimado na hora.

Mas faça o favor de não sair da Dona Irene sem conhecer a 15ª estrela – aquela que me foi prometida pelo Presidente António Baptista – é o polvo no forno ou na caçarola que o próprio revela, ser o melhor da galáxia. Aquele que ajuda a fazer brilhar ainda mais Almeida na constelação da grande gastronomia portuguesa.

Restaurante Casa D’Irene
Largo de Almo, Malpartida
Almeida
Tlf.: 271 574 254