Dantas Rodrigues

Advogado

A riqueza quando é legitima não é desonra

Temos vivido dias intensos de notícias sobre futebol. Começa enfim a cair a máscara aos que, de há anos a esta parte, têm promovido uma cultura de corrupção na FIFA, e que, graças ao FBI e a uma procuradora norte-americana que ninguém conhecia, foram apanhados na rede. Agora é só preciso ter um pouco de paciência e esperar que os «gargantas fundas» soltem as línguas, para que comecem todos a cair bem agarrados uns aos outros.

Sabemos que durante pelo menos vinte anos foi um deleite para Blatter e para os seus homens terem na mão o futebol mundial, pois engordaram de tal maneira que, se os seus amigos daqui, por uma hipótese nada absurda, os convidassem para virem a Lisboa festejar com eles os nossos santos populares, esses senhores nem sequer conseguiriam aguentar cinco minutos de marcha pela Avenida da Liberdade na noite de Santo António.

Como este filme de horror para a FIFA mete americanos, o processo vai com certeza ser rápido (não demorará mais de 10 meses), e como estão em causa crimes de branqueamento de capitais e de corrupção, tudo terminará com um acordo-sentença, em que os arguidos concordarão em pagar uma elevadíssima indemnização para não se submeterem a julgamento e, desse modo, escaparem a anos de prisão num daqueles estabelecimentos onde só Deus sabe o que pode acontecer.

O plea bargain (acordo-sentença), do direito norte-americano, constitui uma solução justa, célere e eficaz para o processo-crime, quando estão em causa crimes de enorme violência contra a estrutura da sociedade. A esses crimes que, por norma, têm como principais intervenientes a elite dos negócios do lucro fácil, aplica-se uma pena suspensa, após dura negociação entre os advogados dos arguidos e os procuradores de justiça. É minha convicção que a justiça criminal negociada é muito mais pragmática e permite a recuperação de dinheiro subtraído e escondido à custa do empobrecimento dos arguidos corruptos. Os americanos, por mais que o seu conceito de justiça desagrade aos europeus, não olham a nomes, nem a cargos, e, sobretudo, não brincam com coisas sérias. Que o diga o ex-diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn!

Nós, por cá, criticamos veemente Jorge Jesus por falta de amor ao Benfica e de pretender enriquecer pela qualidade do seu trabalho, no vizinho e rival Sporting e fica-se indiferente às notícias de corrupção que envolvem os «nossos» políticos. Aceita, por exemplo, que no curto espaço de sete anos um político suba o seu rendimento anual bruto em 990%, mas já não tolera que um treinador de futebol, que geralmente trabalha no duro para que o clube que representa (a sua entidade patronal) possa gerar milhões de euros, receba um vencimento proporcional à logica desses mesmos milhões. É o retorno de investimento. O político corrupto, cuja entidade patronal é o cidadão que o elege, que gera ele? Milhões, também, sem dúvida, mas de dívida, e de beijos e abraços das troikas deste mundo.

Por desempenhar uma profissão naturalmente sujeita a impiedosos escrutínios, o treinador de futebol, sobretudo o dos grandes clubes, tem sempre o seu ordenado exposto nas primeiras páginas dos jornais. Enfim, quanto ganha ou deixa de ganhar um treinador, mais o seu património antes e depois dos contratos fabulosos que faz, toda a gente conhece, quanto à riqueza dos políticos, aí é tudo muito mais misterioso e difícil de apurar.

A forma mais séria e honesta para contribuir para uma melhor imagem da nossa classe política será a de dar a conhecer a todos os cidadãos, através do acesso livre pela internet, os interesses e o património privado daqueles que no dia-a-dia gerem ou influenciam o gasto de dinheiros públicos, a fim de se poder controlar a sua fortuna. Saber quantos automóveis, prédios ou metal sonante possuem os políticos, antes e depois de terem ocupado determinados cargos, não é «voyeurismo» nem, tão-pouco, se trata de querer implantar uma «democracia paparazzi». A riqueza, quando é legítima, não é desonra e só a seriedade confere autoridade para falar e criticar.

** Por Dantas Rodrigues, sócio-partner da Dantas Rodrigues & Associados