Off the record

Herman José: “Os espetáculos são o meu oxigénio”

Continua com o rótulo de maior humorista português e ninguém esquece os tiques e expressões que imortalizou. Assistir a mais um espectáculo do rei do humor é como se fosse sempre a primeira vez, e a gargalhada é inevitável perante a sagacidade do génio. Herman José conta com 40 anos de carreira (celebrados o ano passado), mas continua na estrada apostado em fazer rir os portugueses. Afinal, “Os espetáculos são o meu oxigénio”, reconhece, não preterindo o contacto direto com o público, mesmo ocupado diariamente com o programa na RTP “Há Tarde”. Atualmente, “é difícil conciliar as agendas, mas tenho conseguido e o esforço compensa”, revelou à Move Notícias, poucas horas antes de subir ao palco do Casino de Espinho, na última quinta-feira, 30 de abril.

Para ele construir um espectáculo, não é fácil, mas continua a ser um grande desafio: “Tem que se lhe diga construir um espectáculo e tentar inovar. Porque tem que se fugir da tentação de jogar pelo seguro e repetir sempre material que sei que resulta e é arriscando que crio a novidade para o espetáculo”. A responsabilidade é acrescida quando se tem seguidores fiéis como os do humorista. “Há pessoas que já viram quase 100 espetáculos meus. É uma grande responsabilidade, porque eu tenho que o fazer o para mim, para eu me divertir, mas pessoas que me veem mais que uma vez também têm que ver algo novo para não se cair na rotina. Por isso, tento surpreender até a mim mesmo, misturando material antigo com material novo”, explicou.

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Serafim Saudade, Estebes ou o Nelo são algumas das personagens míticas criadas por Herman José e que fazem parte da memória dos portugueses, lembrados em “reaparições” no palco: “O Serafim Saudade é sem dúvida o meu preferido. O Estebes é o mais querido no Norte, mas acho que o Nelo é aquele que teve mais sucesso”. Hoje em dia, o artista inspira-se na própria vida e também na atualidade para fazer rir, sempre fugindo da “piada fácil”. “Vi e vivi tanta coisa que a minha própria vida é um ótimo pretexto para partir para as histórias. Depois a atualidade também tem interesse, mas há um problema quando foge para a política. Temos que fazer opções e as escolhas são sempre fraturantes e irrita-me ter de dividir públicos. Tento manter a distância para que toda a gente se divirta. Não há nada mais fácil do fazer piadas da política, da religião… tento não fazer essa batota”, revelou.

Relação com o público
Figura muito querida pelo público, Herman, de 61 anos, usa uma estratégia para se relacionar com os fãs: “Quando saio de casa o público é o meu patrão, estou sempre disponível. Se não estou em condições de estar disponível não saio. Quando é para estar com as pessoas é para estar com as pessoas. Não é para dizer ‘fotografias agora não’ ou ser desagradável. Tenho essa política que já adoptei há uns anos. Não tenho pachorra vou para fora, ainda no outro dia fui a Badajoz almoçar e ninguém me conheceu”.

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Mais humilde com a idade, como reconhece, recorda que não escapou ao deslumbramento que intitula como “a fase futebolista” quando tinha 20/30 anos. “Achamos que o mundo é nosso e que somos muito importantes, porque temos muito dinheiro. Acho que tem que se passar por essa fase”, assegurou, acrescentando que foi com o “amadurecimento” que passou “a ser um ser humano decente”. “Aos 30 anos comprei o meu primeiro rolls royce, sentia-me o rei do mundo. Depois comprei um barco de 20 metros… Era um miúdo que entrou na loja de brinquedos e disseram-lhe “serve-te”, era uma infantilidade sem nenhuma ponta de maldade”, rebobinou, como que justificando a prepotência de outrora.

O balanço de quatro décadas artísticas “é positivo”, mas Herman José mostra-se triste perante a mortalidade. “Não vivemos o equivalente à nossa evolução intelectual. Temos cérebros que aguentariam 200 anos de vida. Este segmento de 70 ou 80 anos de vida, com sorte, é ridículo. A minha mãe tem 72 anos e está melhor do que nunca. Não sinto nenhum efeito da passagem do tempo, mas gostava de continuar a fazer projetos a 20 ou a 30 anos. A grande vantagem é não sabermos como vamos morrer e vivemos sempre na ilusão de que vamos desaparecer tranquilamente como Manoel de Oliveira aos 106 anos”, partilhou, como que abrindo a alma à eternidade.

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O humorista referiu, ainda, que o auge da sua carreira aconteceu ao 40, quando “estava tudo a correr bem”. “Estava a fazer um concurso diário que era a ‘Roda da Sorte’ e fazia também o ‘Parabéns’. Portugal estava no auge absoluto”. Já o mais negativo aconteceu com morte do seu pai, Hermann Krippahl. “Após velar a morte do meu pai, tive de ir apresentar o programa ‘Herman 98’. O convidado era o doutor Eduardo Barroso e parte do tema era as doenças, tive de fazer um esforço enorme, dividir o artista do ser humano”, relembrou.

Um dos lados mais complicados na vida de um humorista é mesmo separar o artista do ser humano e há alturas em “que é muito complicado”. “Também temos dramas pessoais para tratar e depois temos que fazer rir as pessoas. É preciso um grande esforço”, frisou.

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Dupla improvável na televisão
Sem saudades de fazer um programa de humor, “porque era muito desgastante”, o “Há Tarde”, que apresenta ao lado de Vanessa Oliveira, está a ser uma revelação. “Está correr melhor do que eu pensava, mesmo a nível de audiência, porque não temos os mesmos temas e as mesmas armas da concorrência, e acho que nos estamos a portar bem. Além disso, não imaginei que a minha relação com a Vanessa se tornasse tão familiar”, adiantou. Por isso, é um programa que faz “sem sacrifício” e com muito “entusiasmo”.

O humorista não poupa elogios à colega de trabalho: “Ela está a ficar cada vez melhor, não tenho dúvida que vai ter um futuro fantástico como comunicadora. Depois, a RTP dá este destaque aos apresentadores, como por exemplo dava ao Baião, que agora não o tem na SIC. Perdeu aquela alma que tinha na RTP”. Apesar de o cachê não ter os números de 1991 – “ganhava em dois dias o que agora ganho num mês” – Herman reconhece a importância de estar no pequeno ecrã que “é uma montra do nosso trabalho”.

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Fotos: José Gageiro