Dantas Rodrigues

Advogado

Independência e liberdade

O fim de uma relação conjugal é quase sempre marcado pela discórdia. Os ressentimentos são, por norma, demasiado agudos e costumam transformar-se em deslealdade, frieza, egoísmo e ódio. Se não existirem filhos no casal, o primeiro pensamento do cônjuge traído (se for o caso) é este: «Se me separar, será que tenho direito a receber uma pensão de alimentos da parte de quem me traiu?»

Posto que é o mais frequente, declinemos o caso no feminino. A evolução sociológica derivada das roturas surgidas em 1968, consubstanciada no feminismo e na consequente emancipação da mulher, tem vindo paulatinamente a retirar relevância à situação económico-social dos cônjuges, contribuindo desse modo para uma visão que preconiza que, em caso de separação ou divórcio, cada qual deve prover ao seu respetivo sustento.

Mas se, teorética e sociologicamente, se pode ver as coisas assim, na prática e realmente há todavia que atender a situações que emergem de uniões estáveis e duradouras, nas quais se assumiram obrigações e se criaram fundadas expectativas de perpetuidade do vínculo matrimonial.

Por isso, e por evidentes razões de responsabilidade, é que a extinção do vínculo do casamento não deve nunca levar a que um cônjuge feminino necessitado seja relegado para um patamar de subsistência mínima, podendo mesmo passar, como muitas vezes acontece, de uma situação de relativo desafogo económico para outra de pura e simples pobreza.

Para evitar muitos casos desesperados, entendo ser perfeitamente possível o deferimento de alimentos à ex-mulher que, por exemplo, passou a vida em que o seu casamento durou a ocupar-se apenas da casa, isto é, a cuidar do «lar» ou a exercer a profissão de «doméstica», como se dizia ainda não há muito tempo, enquanto o ex-marido se ocupava do sustento do mesmo lar e, por conseguinte, do dela. Este simples exemplo, se levado à prática, poderá sem dúvida fazer com que, no seguimento da dissolução do seu matrimónio, uma mulher não fique privada dos mais elementares meios de subsistência.

No nosso ordenamento jurídico, o legislador afirma expressamente o princípio de que, depois do divórcio, cada ex-cônjuge deve prover à sua subsistência – n.º 1 do art.º 2016 do Código Civil –, lógica que já resultava das normas gerais sobre alimentos – n.º 2 do art.º 2004 do mesmo Código. No entanto, aquela disposição prevê, de forma expressa, que o ex-cônjuge credor não detém o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do seu matrimónio (art.º 2016-A).

Com esta orientação, o legislador procurou explicitar, de forma inequívoca, que o direito à pensão de alimentos na sequência de um divórcio só se constitui no caso de um dos ex-cônjuges se ver impossibilitado de prover à sua subsistência. E, só se não for de todo possível, é que aquele que não pode prover a essa mesma subsistência terá direito a receber alimentos da parte do outro, em montante que lhe permita garantir um mínimo de vida digna, mas sempre de acordo com as reais possibilidades económicas do ex-cônjuge que é obrigado a prestá-los.

Esse direito, assentando num dever assistencial que perdura para além do casamento, passou a ter carácter subsidiário e a estar, seguramente, limitado pela obrigação de socorro numa situação de grande exigência (resultante de manifesta carência de meios de subsistência) num quadro de impossibilidade ou séria dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna.

Assim, constatada que esteja a qualidade de ex-cônjuge, torna-se depois necessário apurar a existência de eventual incapacidade para prover à sua subsistência. Somente após esse apuramento é que se pode partir para a verificação dos requisitos do preceito em causa, ou seja, proceder à ponderação das necessidades de quem pretende que lhe seja concedida uma pensão e aquilatar das possibilidades económicas daquele que, depois, é obrigado a cumprir o pagamento dessa mesma pensão.

A necessidade do alimentando consiste na impossibilidade de prover total ou parcialmente à sua subsistência, seja com os seus bens pessoais ou seja com o seu labor, sendo, portanto, a impossibilidade de prover ao seu sustento aferida pelo património que possui e pela sua capacidade de trabalho. No caso de ele poder prover às suas necessidades através do trabalho ou de outros meios que lhe proporcionem rendimentos suficientes, o direito a receber alimentos por parte do ex-cônjuge não lhe deve ser reconhecido, dado ser esse um meio subsidiário só justificável na ausência de outros meios de subsistência.

Quanto ao património, importa não só ter em conta os rendimentos que proporcionem ao alimentando os bens do qual é proprietário, como também a possibilidade de poder proceder à sua alienação para daí conseguir proventos que possibilitem a sua subsistência. No que diz respeito à sua capacidade de trabalho, caso não se encontre a exercer uma profissão remunerada, deve levar-se em conta a sua formação, competências, idade e estado de saúde, tendo sempre presente que é sobre ele que impende o dever de prover à satisfação das suas necessidades fundamentais, de harmonia, de resto, com o princípio da responsabilidade pessoal de cada um dos cônjuges pelo seu futuro económico depois do divórcio.

Estar na posse de simples capacidades para trabalhar não chega, no entanto, uma vez que, em consequência da atual crise económica e do desemprego que lhe subjaz, se torna necessária a possibilidade real de efetiva ocupação laboral.
O princípio geral em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, que decorre da sequência dispositiva do supracitado art.º 1206 do Código Civil, é o que deriva do seu próprio caráter excecional, expressamente limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que «cada cônjuge deve prover à sua subsistência e de que o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade».

Em conclusão, creio ser pertinente dizer que a obrigação de alimentos só existe, em princípio, na vigência da sociedade conjugal, mesmo quando esta não assuma a sua plenitude, como acontece nas separações de facto. O casamento não pode nem deve criar expectativas jurídicas de garantia de sustento, durante ou após a sua vigência, o que consubstanciaria um verdadeiro «seguro de vida», por não ser concebível a manutenção de um status económico atinente a uma qualquer relação legal já extinta.
Salvo casos dramáticos, uma separação deve obrigar sempre a pensar que independência casa com liberdade e que um divórcio sem independência se pode transformar na pior das prisões.

** Por Dantas Rodrigues, advogado, sócio-partner na Dantas Rodrigues & Associados