Dantas Rodrigues

Advogado

O preço da infidelidade

O casamento constitui o cerne do direito da família. Enquanto contrato jurídico-formal, abrange tanto as formalidades que antecedem a sua celebração, como os efeitos produzidos que vinculam as relações entre os cônjuges e os deveres recíprocos que sobre os mesmos impendem. Esses deveres são, como é óbvio, o respeito, a fidelidade, uma boa coabitação, uma leal cooperação e imprescritível assistência, tal como dispõe o artigo 1672.º do Código Civil Português.

Por ser o mais sensível em qualquer relação matrimonial, tomemos o dever de fidelidade. Qual a sua importância jurídica, e quais as suas consequências institucionais no Direito de Família?

São sinónimos de fidelidade a honradez, a honestidade, a integridade, a verdade, a exactidão, em suma, tudo o que diz bem da qualidade de todo aquele que é fiel, tal como elenca qualquer dicionário, não importa de que língua.
Se ao significado se juntar o significante, como mandam as boas regras do pensamento, facilmente se deduz que o dever de fidelidade conjugal, normativamente imposto, acompanha sempre o desenvolvimento natural e a constituição da família. As regras que, desde os nossos antepassados mais remotos, a regulam enquanto instituição já tratavam da fidelidade como um dever conjugal estrito, sempre com maior incidência na fidelidade feminina, é verdade, mas isso por razões que se prendem com a organização patriarcal característica das sociedades de cultura judaico-cristã. Basta ler a Bíblia para constatar o que acaba de ser dito a respeito da infidelidade da mulher…

Andando mais para a frente, já se observam sensíveis avanços no medieval Código Canónico (Codex Iuris Canonici), em cujos fólios se encontra estabelecida a fidelidade como um dever a respeitar entre ambos os cônjuges. Tudo assim se manteve pelos séculos fora até chegar aos nossos tempos mais concretamente a 1968, ano em que, a partir dos acontecimentos que nele ocorreram na Europa e nos EUA, a esfera jurídica das sociedades não mais admitiu a diferenciação de direitos entre homens e mulheres, o que faz com que uns e outros, quando casam, se encontrem adstritos ao cumprimento dos deveres conjugais a que se comprometem aquando da celebração do matrimónio.
A violação do dever de fidelidade, já não é, por conseguinte, uma exclusividade feminina, uma vez que é reconhecido que essa violação se pode dar não só na manutenção de relações sexuais praticadas entre um dos cônjuges com uma terceira pessoa, como também noutro tipo de atos que são passíveis de a consumar por se revelarem ser uma negação da comunhão de vida em que se traduz o casamento. Não se encontra justificação, juridicamente falando, para qualquer distinção entre infidelidade masculina e feminina. E ainda bem, pois a infidelidade, seja do homem ou da mulher, do pai ou da mãe, constitui sempre um factor de perturbação na estabilidade do lar e no equilíbrio do núcleo familiar no seu todo.

Um dos pressupostos mais universalmente aceites na nossa sociedade, repito, de concepção judaico-cristã, é o de que o casal monogâmico constitui a única estrutura válida de relacionamento sexual humano. A nossa cultura põe tanta ênfase nesta forma de vida que uma discussão demorada sobre o assunto dos relacionamentos alternativos se afigura rara e inapropriada. Parece fazer todo o sentido que assim seja, já que, e por mais que tal desagrade ao comunitarismo rampante, a poliandria e a poliginia ainda não são legais, pese toda a degeneração moral a que se assiste e todas as histórias de sexo valetudinário e frustrado que diariamente são servidas, em livro, nas televisões ou no cinema, como novo ópio dos povos.

Por essas e outras razões, numa ótica de relacionamentos tradicionais, a violação do dever de fidelidade potencia, por norma, um enorme dano moral, afetando tanto a dignidade como a honra da «vítima», dano esse necessariamente passível de ser reparado. A infidelidade é o facto que mais fere e perturba o núcleo familiar, representando a mais nítida manifestação de quebra da sua moral.

E se a violação dos deveres conjugais não resultasse em punição, inevitavelmente que os mesmos passariam a constituir simples avisos e estariam constantemente a ser transgredidos. Assim, a lei portuguesa consagra expressamente a reparação por danos morais, extrapatrimoniais ou não patrimoniais, admitindo, em suma, a plena consagração, tanto do princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais (art. 496.º, n.º 1 do Código Civil), como do critério de fixação equitativa da indemnização correspondente (art. 496.º, n.º 3).

A indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza marcadamente mista: por um lado, de algum modo, visa mais reparar do que propriamente compensar os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do infrator.

O desrespeito do dever de fidelidade a lei a qualifica de ato ilícito, suscetível de originar danos na parte lesada, neste sentido, a ação do cônjuge que viola o dever de fidelidade a que ambos estão sujeitos, sendo culposa ou dolosa, deverá ser a causa da violação da esfera jurídica da vítima.

A jurisprudência dos tribunais de primeira instância segue a orientação de que se deve julgar procedente a ação, condenando-se «o réu em indemnização a favor da vítima por danos morais, por violação dos deveres conjugais e dissolução do casamento.»

A indemnização pelo dano provocado pelo desrespeito do dever de fidelidade numa relação entre cônjuges procura, tanto quanto possível, compensar o real sofrimento daquele que judicialmente for declarado prejudicado pelas ofensas injuriosas, exposições ao ridículo e humilhações que lhe ocasionaram grande mal interno e, até mesmo, externo, especialmente no tocante à sua vida profissional. Neste último caso, entende-se que a exposição ao escárnio público pode representar um grande demérito à atividade profissional do cônjuge vítima de quem o trai.

Destes e doutros casos infelizes é que muitas vidas são feitas e onde os homens ou as mulheres que as escrevem, de uma forma ou de outra, acabam por pagar sempre o doloroso preço da infidelidade.